sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Lincoln e o Espiritismo – Parte II

Pelo Sr. Clémens

Inserimos, na edição anterior, a narrativa do Sr. Clémens, extraída do opúsculo “Da intervenção dos invisíveis na História Moderna”, sobre a primeira sessão espírita realizada na Casa Branca, com assistência do presidente Lincoln, e na qual se manifestou, pela boca da jovem médium Nettie Colburn, o Espírito do grande orador abolicionista, Daniel Webster.

A médium continuou a dar sessões em Washington, frequentadas por altas personalidades da República.

Reatamos aqui o fio da narrativa do Sr. Clémens:

“Certo dia, a Sra. Lincoln avisou a Miss Nettie que iria, em companhia de algumas pessoas, assistir a uma das suas sessões.

Na tarde desse mesmo dia, o “Espírito familiar” da médium anunciou que o presidente Lincoln compareceria também à sessão: mas as pessoas do seu círculo ficaram em dúvida, parecendo-lhes pouco provável que o presidente fosse a uma casa particular para assistir a uma “sessão espírita”.

Quando, porém, o carro presidencial parou, ao aproximar-se a hora da sessão, à porta de Miss Nettie, o Sr. Laurie foi ao encontro de Lincoln, dizendo-lhe:

– Seja bem vindo, Sr. Presidente; já o esperávamos.

– Como me esperavam, se há poucos minutos, eu não sabia que tinha de vir aqui?

Lincoln acabara de conferenciar com os ministros, e encontrando-se com a esposa, prestes a sair com alguns amigos, perguntou-lhe maquinalmente onde ia.

– A uma sessão, em casa de Nettie – foi a resposta.

– Espere um pouco; irei também. Assim narrou Lincoln o incidente, sublinhando a surpresa que lhe causaram as palavras do Sr. Laurie. Foi-lhe comunicada então a referida passagem, anunciando antecipadamente a sua vinda.

Mostrando-se satisfeito, Lincoln, depois de ouvir um pouco de música, perguntou a Miss Nettie “se não tinha alguma comunicação a fazer-lhe”.

– Talvez “os outros” queiram falar-vos, respondeu a moça.

Um “terceiro”, com efeito, falou, e não era um desconhecido. Era aquele que na Terra foi o Dr. Bamford, e que agora, Espírito liberto, se incorporava à médium, falando com o seu antigo modo de falar. A sua linguagem franca inspirava confiança a todos, Lincoln inclusive.

Veremos como essa confiança era bem fundada, como a sessão, de que ora nos ocupamos, é digna de ser rememorada. Um invisível dá conselhos ao chefe de um grande Estado e prescreve-lhe um ato de que ninguém havia cogitado, e, caso notável, o supremo magistrado da República, na plenitude de suas forças, com a sua vasta e culta inteligência e largo descortino de estadista, julga bons os conselhos, segue-os à risca, reconhecendo a intervenção direta de uma potência extra-normal, obedecendo-lhe.

Dupla lição.

Naqueles dias, grande era o desassossego do povo americano. A situação do exército não era a de quem vencia...

O presidente estava sitiado por todos os lados, sofrendo pressão do seu próprio partido, para ceder às exigências dos escravagistas. O Congresso não era favorável à libertação.

Tempos verdadeiramente sombrios.

Foi então que o “Dr. Bamford” tomou a palavra.

Falou longamente, pela boca de Miss Nettie, sobre a situação do exército. Declarou que regimentos inteiros estavam dispostos a depor as armas e voltar para os lares; que a ordem e a disciplina haviam abandonado as fileiras, estando iminentes gravíssimas perturbações...

Os assistentes pareciam consternados, salvo Lincoln que, reconhecendo exatas as informações sobre o exército, perguntou ao Dr. Bamford se não podia indicar algum remédio para melhorar-lhe a situação.

– Sim, disse o doutor, se tiverdes a coragem de empregá-lo.

– Ponha-me à prova, respondeu Lincoln, sorrindo.

– “O que vos tenho a dizer, continuou o Dr. Bamford, é tão simples que sereis levado a supor que a medida é insuficiente, à vista das atuais circunstâncias. O que é, entretanto, certo é que o meio para conjurar o perigo só de vós depende; está em vossas mãos. Ide, em pessoa, visitar o exército; ide só, levando apenas vossa mulher e filhos. Nada de oficiais convosco; nenhuma escolta.

“Ide com toda a simplicidade e falai aos soldados. Perguntai-lhes quais são as suas queixas; mostrai-vos como sois na realidade: o pai do vosso povo.

“Procurai fazer compreender aos soldados que vos interessam as suas provações, as suas queixas, as suas mágoas, as suas desventuras, depois de tantos combates, depois de tantas marchas difíceis através das regiões pantanosas, onde caíram mortos tantos companheiros.

“E, para evitar o perigo iminente, é preciso que amanhã mesmo seja publicada a notícia de vossa visita ao exército.

O Dr. Bamford discorreu em seguida sobre a guerra, em geral; predisse-lhe o fim e que Lincoln, dentro de dois anos, seria reeleito (1).

Quando o doutro acabou de falar, perguntaram a Lincoln se os negócios do país estavam assim tão comprometidos.

O presidente respondeu que não havia exageração, e, exigindo dos assistentes que guardassem silêncio e nada revelassem, acrescentou, apontando para um oficial:

– Este oficial bem sabe, porque acaba de dar-me informações sobre a situação do exército. É exato o que nos disse o Dr. Bamford. Sobre esse assunto versou hoje a conferência ministerial, e, ao encerrá-la, não sei porque resolvi acompanhar minha mulher até aqui. Julgo ser o conselho do doutor o melhor possível; tenho observado que fatos aparentemente de pequena importância têm muitas vezes grande influência nos acontecimentos...

O presidente assim falou, como se estivesse pensando em voz alta, em solilóquio, sem se preocupar com as pessoas que, em respeitoso silêncio, o ouviam.

No dia seguinte – era um domingo – a Gazeta anunciou, em grandes letras, a próxima visita do presidente, com a família, ao exército, demonstrando assim que os conselhos do Dr. Bamford tinham sido seguidos à risca.
Essa visita é um fato histórico e produziu os melhores resultados.

Os soldados ouviram Lincoln e o carregaram sobre os ombros através do acampamento, fazendo-lhe extraordinária ovação.

Grande foi o entusiasmo popular.

O presidente deixou o exército unido, tendo-o animado e fortalecido.

As intrigas oposicionistas tinham-se infiltrado nas fileiras. Os adversários haviam assoalhado que os representantes do governo levavam, em Washington, uma vida de luxo, de dissipação e de prazeres, enquanto as tropas eram sacrificadas nessa terrível luta.

Eis aí porque o Dr. Bamford aconselhou a visita nos termos indicados para que Lincoln se apresentasse ao exército com a sua grande simplicidade e bondade, com toda a grandeza de sua alma.

Registremos aqui que a Sra. Lincoln, que tinha grande confiança na predição do Espírito e concorrido para a visita, ficou realmente satisfeita com o feliz resultado obtido.”

Clémens

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(1) O presidente foi efetivamente reeleito, em 1865.

Fonte: Reformador, ano LXV, número 5, Maio de 1947, páginas 17-18.

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