terça-feira, 3 de julho de 2012

O vínculo de Roustaing com a Igreja

Por Nazareno Tourinho

Mais do que surpresos, os espíritas sinceros, e suficientemente esclarecidos, ainda alheios às consequências filosóficas da tese do corpo fluídico de Jesus, terão ficado perplexos durante a leitura do penúltimo escrito desta série, no qual mostramos o vínculo ideológico da obra de Jean-Baptiste Roustaing com a Igreja Romana, que desvirtuou a autêntica mensagem do Cristianismo e tantos males causou ao progresso da Humanidade.

Para que ninguém julgue ter havido de nossa parte a exploração de um mero e descuidoso tropeço do antigo bastonário da Corte Imperial de Bordeaux, isolado e perdido no Volume 2 de Os Quatro Evangelhos de sua autoria (6ª edição da FEB), vamos aqui transcrever mais alguns dislates do gênero, contidos no Volume 3 que dá sequência a “Revelação da Revelação”, por ele arquitetada com o objetivo de suplantar a obra de Allan Kardec, Ei-los:
“A mediunidade dos que, entre vós, servem de instrumentos aos Espíritos está apenas no começo. Mas, contrariamente ao que sucedeu na época dos discípulos, os vossos médiuns só entrarão no gozo completo de suas faculdades mediúnicas quando estiver entre os homens o Regenerador, Espírito que desempenhará a missão superior de conduzir a humanidade ao estado de inocência, isto é: ao grau de perfeição a que ela tem de chegar. Até lá, obterão somente fatos isolados, estranhos à ordem comum dos fatos.

“Não nos cabe fixar de antemão a época em que tal se verificará. O Senhor disse: vigiai e orai, porquanto desconheceis a hora em que soará retumbante a trombeta, fazendo que de seus túmulos saiam os mortos. Quer dizer: desconheceis a hora em que Deus fará que renasçam materialmente na terra os Espíritos elevados, incumbidos de dar impulso às virtudes que eles descerão a pregar, praticando-as em toda a sua extensão.

“O chefe da Igreja católica, nesta época em que este qualificativo terá a sua verdadeira significação, pois que ela estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo, o chefe da Igreja católica, dizemos, será um dos principais pilares do edifício.” (Página 65; os grifos são dos autores.)

“Debaixo da influência e da direção do Regenerador, caminhará o chefe da Igreja católica, a qual, repetimos, será então católica na legítima acepção deste termo, pois que estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo.” (Página 66)

“Homens, que praticais os ritos cristãos, não vos envergonheis de aproximar-vos da “mesa santa”, pois que sejam quais forem as profanações a que ela tenha sido exposta, sempre a podeis santificar pelo sentimento com que dela vos avizinhardes. Não coreis de vir, curvada a fronte, prostrar-vos aos pés do sacerdote que vos apresenta a hóstica “consagrada”.” (Página 403)

Aí está, não precisamos ir além. Os rustenistas da escola de Luciano dos Anjos poderão nos refutar através de longos e especiosos textos, garantindo que mutilamos as ideias centrais da obra de Roustaing, trazendo ao público apenas trechos esparsos de seus escritos, desconexos de outros imprescindíveis para completar o pensamento do autor. Quanto a isso, cumpre-nos denunciar a técnica mistificatória empregada nos volumes de Roustaing: os Espíritos que a ditaram, com refinada esperteza, própria dos padres jesuítas, acabam de dizer uma coisa e logo afirmam outra em contrário, a fim de obterem aceitação em nosso meio doutrinal. É por isso que os seus raros defensores sempre possuem argumentos para sustentar intermináveis polêmicas, reivindicando a condição de espíritas quando, no fundo, são católicos envergonhados, arrependidos mas ainda não inteiramente convertidos. Vejamos um exemplo da tática mistificatória exercida na obra de Roustaing, com base na última citação feita no presente artigo, a da página 403 do terceiro volume de Os Quatro Evangelhos. Ali somos concitados a não ter um constrangimento em nos prostrar aos pés de um sacerdote, de fronte curvada (a nossa, não a dele), e reverenciar a hóstia “consagrada”. Ora, qualquer pessoa sabe que isto é uma proposição católica, não espírita. Assim sendo, para dourar a pílula os ladinos autores do conselho no mesmo parágrafo o precedem com o reconhecimento da superioridade do ato espiritual sobre o ato material, e o complementam ressaltando a prevalência do fundo sobre a forma. Destarte, quando alguém, reproduzindo o mencionado trecho qual o fizemos, disser que a obra de Roustaing agasalha a apologia do ritual católico, do dogma da “Sagrada Eucaristia” etc., logo um de seus admiradores contestará, valendo-se da parte inicial ou final do parágrafo onde o referido trecho se encontra. E assim nunca falta munição verbalística para os renitentes defensores de Roustaing, que já sem coragem de atacar a obra de Kardec de frente (no pretérito atacaram, e a prova é a edição de 1920 de Os Quatro Evangelhos, que a FEB patrocinou e hoje esconde o fato, divulgando uma edição sem os ataques), já sem coragem de menosprezar frontalmente a obra de Kardec, repetimos, procuram minar as suas bases teóricas, contradizendo-lhes princípios filosóficos fundamentais como o que situa a encarnação e a reencarnação na categoria de lei da vida inteligente (na doutrina de Roustaing a experiência encarnatória não é uma necessidade para todos os Espíritos, é apenas castigo para alguns).

Na verdade, a única defesa possível da mistificação de Roustaing é a tese de que ela foi necessária quando surgiu, no século passado, a fim de atrair os católicos para o movimento espírita iniciante.

Este argumento, entretanto, é inaceitável, de um lado por ser aético e inconsistente (a nossa doutrina não endossa a teoria de que os fins justificam os meios, responsável, na Idade Média, pelas fogueiras da Santa Inquisição, e é contra o proselitismo, mesmo corretamente praticado do ponto de vista moral, pois seus postulados libertadores nunca serão absorvidos por quem ainda não estiver evolutivamente preparado para compreendê-los), e de outro lado porque a adulteração essencial de uma filosofia, através da mesclagem com quaisquer filosofias divergentes, é um modo solerte de arruiná-la perante o futuro, no campo das ideias (objetivo das entidades umbralinas fascinadoras do antigo bastonário da Corte Imperial de Bordeuax).

Na hipótese de querermos, por motivo de pura benevolência, aceitar a tese de que a mistificação de Roustaing, embora nociva, foi desculpável pela sua origem, atitude da qual já partilhamos no intuito de contribuir para a fraternidade dos espíritas brasileiros, sobre esta pergunta:

— Por que a FEB, atualmente, insiste em prestigiá-la, quando não mais ignora o seu caráter conflitante com a Codificação de Allan Kardec?

Fonte:

TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

Um comentário:

  1. O livro de Nazareno Tourinho é um libelo em defesa da boa Doutrina espírita conforme nos foi legada por Allan Kardec.

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