sexta-feira, 27 de julho de 2012

Atitude Enérgica


Herculano Pires
Por Sérgio Aleixo

Chega de pieguice religiosa, de palestras sem fim sobre a fraternidade impossível no meio de lobos vestidos de ovelhas. Chega de caridade interesseira, de imprensa condicionada à crença simplória, de falações emotivas que não passam de formas de chantagem emocional. [...] Não façamos do Espiritismo uma ciência de gigantes em mãos de pigmeus. [...] Remontemos o nosso pensamento às lições viris do Cristo, restabelecendo na Terra as dimensões perdidas do seu Evangelho. Essa é a nossa tarefa. (Herculano Pires. Jornal Mensagem. Set/1975.)

Estudo, prática e divulgação fiéis a Kardec, qualificados intelectual e, sobretudo, moralmente, é o de que necessita nosso movimento espírita. Reitero meu respeito às instituições; às pessoas, mais ainda. Nunca, todavia, aos erros em que podem incidir eventualmente. É dever de todo espírita sincero a advertência; fraterna, mas firme.

Em meio a esta inglória batalha política entre extremos opostos nas ideias (ainda que aliados em minarem a obra de Jesus), entrincheirado se encontra, na mente dos verdadeiros adeptos do Espiritismo, o bom-senso kardeciano. E ele aguarda o quê? Que o nosso amor ao Espírito de Verdade promova às futuras gerações de espíritas o socorro de uma militância independente e aberta, como foi a de Herculano Pires.

Certamente que as futuras gerações de espíritas não estão destinadas a suportar o peso do óbolo maligno que foi depositado no gazofilácio dos melhores esforços da geração atual, por lideranças intoxicadas pelos devaneios da egolatria institucionalizada.

Não deixemos que o instinto gregário de nossa espécie continue nos levando ao que ela tem de pior: a imitação e a repetição dos papagaios. Fora! Fora! com os discursos catequéticos, como aqueles desenvolvidos ao influxo da mística de Brasil: Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, obra que traduz equivocadamente as favoráveis condições socioculturais brasileiras para a assimilação dos conceitos e práticas afins com a transcendência humana...

A marcha evolutiva do Espiritismo dispensa que sejam estatutários na F.E.B. aquele Jesus necessitado de aulas de geografia e cuja amargura divina empolga toda uma formosa assembleia de querubins e arcanjos (ob. cit., I), ou um dissidente declarado, como J.-B. Roustaing, do mais rasteiro solo de intrigas erguido à condição de cooperador de Kardec para o trabalho da fé, pari passu com os digníssimos missionários Léon Denis e Gabriel Delanne (ob. cit., XXII. Cf. ainda http://oprimadodekardec.blogspot.com).

Não devemos esperar os tapinhas nas costas de uma aclamação ilusória, promovida pelos inimigos da capacidade crítica renovadora, da fé verdadeiramente raciocinada. Esta não é a vereda em que andaram nossos ilustres tutelares, chefiados pelo próprio Jesus, que, afinal, não morreu por falência múltipla dos órgãos vitais.

Desagrademos, sim, se preciso for, tanto a gregos quanto a troianos. Cultivemos desdém pelo interesse pessoal e imediato, trabalhando com coragem por um futuro que não faça a nós mesmos — reencarnacionistas que somos — o desfavor de reproduzir ainda um sem-número de vezes as mesmas estruturas do passado decrépito.

A doutrina, a verdade mesma, está acima de qualquer instituição que a pretenda representar no organismo viciado das sociedades humanas. A eterna doutrina espírita é a instituição por excelência. Às suas razões é que devemos estar vinculados, independentemente desta ou daquela casa, deste ou daquele guia ou dirigente, porque acima de todos está aquele que supervisiona este globo, que preside a regeneração: O Espírito de Verdade, isto é, Jesus Cristo.[1]

O que torna legitima a representatividade de qualquer órgão que se qualifique espírita é sua fidelidade incondicional à obra kardeciana, em cujo programa constam, mais que claros, explícitos, os preceitos e caminhos do Espiritismo.

Os dissidentes, portanto, não são os que discordam destas ou daquelas instituições, bem como, principalmente, das ideias de que se fazem campeãs. Os dissidentes são os que não respeitam a doutrina e, não satisfeitos em vampirizá-la, acusam de inferioridade e desequilíbrio os que, denunciando esse deteriorado estado de coisas, seguem o exemplo de João Batista e de seu divino primo.

De norma, aqueles tais se defendem cultivando uma indiferença que fantasiam de virtude introspectiva. Querem aparentar uma superioridade e uma sabedoria que as menores coisas são capazes de desmascarar aos que com eles tiverem oportunidade de privar algum tempo.

Trata-se de um anticristianismo supor que podemos atingir a perfeição nos preocupando somente com o que ocorre em nós, entrincheirados numa caridade mercenária que, acreditamos ingenuamente, abrir-nos-á as portas do reino do céu, mas que apenas oculta o nosso egoísmo comodista e a nossa carência oportunista.

O fato é que toda casa não edificada sobre a rocha desabará, e toda planta que o Pai não plantou será arrancada. Acima do institucionalismo humano das casas está a instituição divina da causa. Muito acima de quaisquer instituições está a instituição por excelência: a doutrina em sua integridade, consignada nas letras de fogo da codificação kardeciana. Pena que possamos divisar ainda oportuna a antiga palavra bíblica:
Desde o menor deles até o maior, cada um se dá à ganância, e tanto os profetas, como os sacerdotes usam de falsidade. Curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz. Serão envergonhados porque cometem abominação sem sentir por isso vergonha; nem sabem que coisa é envergonhar-se... Assim diz o Senhor: Ponde-vos à margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e achareis descanso para vossa alma; mas eles dizem: Não andaremos... Portanto, ouvi, ó nações, e informa-te, ó congregação, do que se fará entre eles. (Jeremias, VI, vv. 13 a 16 e v. 18.)
Poderiam os dissidentes pensar o que quer que fosse se espiritualistas se dissessem. Como insistem, no entanto, em se apresentarem como retificadores e reelaboradores da obra de Kardec, identificando-se indebitamente como espíritas, temos de assumir uma atitude enérgica.

A nosso bem e das futuras gerações de espíritas, necessitamos de um Espiritismo que se apresente como de fato é, ressaltando, cristalino, sem ambiguidades, das obras do mestre de Lyon, isento das manipulações de toda ordem a que vem sendo submetida.

Temos de ressuscitar o slogan do lendário Clube de Jornalistas Espíritas de São Paulo, fundado por Herculano Pires aos 23 de janeiro de 1948, assim definido por J. Rizzini: “A doutrina espírita acima de tudo! Acima dos homens e das instituições, porque em nosso planeta nada é mais importante do que o Espiritismo!”.

Dizia o filósofo de Avaré:
Precisamos de estudar Kardec intensamente, de assimilar os ensinos das obras básicas, de mergulhar nas páginas de ouro da Revista Espírita, não apenas lendo-as, mas meditando-as, aprofundando-as, redescobrindo nelas todo o tesouro de experiências, exemplos, ensinos e moralidade que Kardec nos deixou. Mas antes de mais nada precisamos de humildade para entrar no Templo da Verdade sem a fátua arrogância de pigmeus que se julgam gigantes. Precisamos de respeito pelo trabalho de um homem que viveu na Terra atento à cultura humana, assenhoreando-se dela para depois se entregar à pesada missão de nos livrar da ignorância vaidosa e das trevas das falsas doutrinas de homens ignorantes e orgulhosos. (Herculano Pires. Na Hora do Testemunho. Antes do cantar do galo. Vaidade das vaidades.)
Os que temem pecar por falar e pecam por se calar devem compreender que estão afastados da obra de Kardec e do Evangelho de Jesus, sempre amigos do debate sincero, da análise e do estudo sérios, muito distantes dos dogmas ancestrais formulados pelo obscurantismo, aos quais servem com seu silêncio comprometedor. Por outra, se é verdade que o Espiritismo quer ser estudado e refletido, não o é menos que dispensa a presunção daqueles que o querem retificar e reestruturar a pretexto de atualizá-lo, afrontando sua lógica intrínseca e sua fonte reveladora. Ora! Não há nada mais vitorioso em face das atuais formulações do conhecimento e da cultura do que o trabalho de Allan Kardec.

Dinamizar o Espiritismo, e nunca atualizá-lo, é tarefa de quem, por princípio, o conhece muito a fundo; de quem o ama e tem competência intelecto-moral; de quem, por isto, sabe submeter as conquistas das diversas áreas do saber ao prévio esquema — aliás, insuperável — da eterna doutrina. Esse esquema, pela sua delicada natureza de refletida totalidade, permite uma criteriosa e abrangente articulação cultural, expressando possibilidades jamais identificadas em qualquer sistema de pensamento organizado.

Logo se vê que essa tarefa não pode caber a pseudossábios, os quais, ao contrário do que seria correto, pretendem submeter a doutrina aos acanhados esquemas do agnosticismo e do ceticismo materialista, ou do superado misticismo espiritualista. O resultado, lembrando o mestre do Espiritismo por excelência, será sempre o vinho novo do paradigma espírita posto no odre velho das infantis inquietações de um homem só terrenal. Mais que da ciência ou da religião, precisamos da codificação kardeciana, perfeita síntese de ambas no sapiente exercício da consciência filosófica do Espiritismo.
_____________________
[1] Cf. O Livro dos Médiuns. Parte 1, cap. IV, n. 48. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. I, n. 7. A Gênese, cap. I, n. 42.  Revista Espírita. Jun/1861. Correspondência. Out/1861. Epístola aos Espíritas Lioneses. Nov/1861. Primeira Epístola aos Espíritas de Bordéus. Fev/1868. Instruções dos Espíritos. Futuro do Espiritismo. Jan/1864. Um Caso de Possessão. Senhorita Júlia. Nov/1862. Dissertações Espíritas. O Duelo. Fev/1867. Dissertações Espíritas. A Clareza.

Fonte: O Metro que melhor mediu Kardec - http://ometroquemelhormediukardec.blogspot.com.br/2010/06/capitulo-6.html

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Roustaing e sua médium perante Allan Kardec


Por Nazareno Tourinho

Depois de mostrar as tolices e as pieguices da obra de Roustaing (apenas as maiores, é claro, as mais evidentes, porque diante delas as outras perdem significação), parece-nos interessante discorrer sobre o relacionamento desse malfadado autor, e sua médium, Emile Collignon, com Allan Kardec.

Um breve ensaio a tal respeito será extremamente útil para premunir o leitor contra o discurso dos docetistas da atualidade, que tentam, de todos os modos, fazer acreditar em uma parceria do tristemente célebre advogado de Bordéus com o codificador do Espiritismo*.

Executemos um atencioso passeio pelas páginas da Coleção da Revista Espírita, lançada no Brasil a partir de 1964 pela Editora EDICEL (tradução de Júlio Abreu Filho). Ela abrange sem lacunas o tempo que o mestre de Lyon permaneceu no corpo físico após o surgimento do primeiro livro da nossa doutrina: são doze volumes anuais correspondentes ao período de 1858 a 1869, cobrindo os fatos importantes da vida de Kardec e espelhando suas ideias.

Antes de darmos a partida a essa viagem pela história do Espiritismo nascente é bom situarmos Roustaing e sua única médium, já nominada, no universo existencial do codificador do Espiritismo. Com isso facilitaremos ao leitor a compreensão dos eventos.

Nossos três personagens tiveram a mesma nacionalidade, foram contemporâneos, porém não amigos ou vizinhos. Não há sequer notícias de que hajam um dia se encontrado pessoalmente. Kardec morava na Capital francesa, onde dirigia a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, por ele fundada, e os outros dois residiam na cidade de Bordeaux.

Roustaing era quase da mesma idade de Kardec (dois anos mais novo). Emilie Collignon não se sabe ao certo, mas é fora de dúvida que já havia casado com um capitalista quando psicografou Os Quatro Evangelhos (assinou publicamente com o esposo um documento publicado na Revista Espírita de março de 1862).

Roustaing sobreviveu a Kardec, desencarnando somente em janeiro de 1879, com 73 anos, mas não produziu outras obras supostamente espíritas.

Emilie Collignon, que apenas em dezembro de 1902 deixou este mundo, deu a lume mais alguns livros, desconhecidos entre nós.

Fonte:
TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

*O autor se refere a uma passagem do livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, onde o Espírito de Humberto de Campos, autor espiritual da obra, designa Jean Baptiste Roustaing como integrante de “uma plêiade de auxiliares” que cooperaram com a obra kardequiana, sendo responsável pela organização do “trabalho da fé”. A obra em questão, psicografia de Chico Xavier, faz parte do processo de legitimação espiritual do programa Kardec-Roustaing implantado por Bezerra de Menezes em sua gestão de presidente da FEB. (Nota de O Blog dos Espíritas).

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A Vida Futura

Por Allan Kardec

A vida futura não é mais um problema; é um fato adquirido pela razão e pela demonstração para a quase unanimidade dos homens, porque os seus negadores não formam senão uma ínfima minoria, apesar do ruído que se esforçam por fazer. Não é, pois, a sua realidade que nos propusemos demonstrar aqui; isso seria repetir sem nada acrescentar à convicção geral. Estando o princípio admitido, como premissa, o que nos propusemos foi examinar a sua influência sobre a ordem social e a moralização, segundo a maneira pela qual é encarado.

As conseqüências sobre o princípio contrário, quer dizer, o niilismo, são igualmente muito bem conhecidas e muito bem compreendidas para que seja necessário desenvolvê-las pela segunda vez. Diremos simplesmente que, se fora demonstrado que a vida futura não existe, a vida presente não teria outro objetivo senão a manutenção de um corpo que, amanhã, em uma hora, poderia deixar de existir e tudo, neste caso, estaria acabado sem retorno. A conseqüência lógica de uma tal condição da Humanidade, seria a concentração de todos os pensamentos sobre o crescimento dos gozos materiais, sem cuidado com o prejuízo de outrem, por que então se privar, se impor sacrifícios? Que necessidade de se constranger para se melhorar, se corrigir de suas faltas? Seria, ainda, a perfeita inutilidade do remorso, do arrependimento, uma vez que não se teria nada a esperar; seria, enfim, a consagração do egoísmo e da máxima: O mundo é dos mais fortes e dos mais espertos. Sem a vida futura, a moral não é senão um embaraço, um código de convenção imposto arbitrariamente, mas não tem nenhuma raiz no coração. Uma sociedade fundada sobre tal crença não teria outro laço senão a força, e cairia logo em dissolução.

Que se objete que, entre os negadores da vida futura, há pessoas honestas, incapazes de fazerem conscientemente uma injustiça a outrem, e suscetíveis dos maiores devotamentos! Diremos primeiro que, entre muitos incrédulos, a negação do futuro é antes uma fanfarronice, uma jactância, o orgulho de passar por espíritos fortes, do que o resultado de uma convicção absoluta. No foro íntimo de sua consciência, há uma dúvida que os importuna, é porque procuram se atordoar; mas não é sem uma secreta dissimulação que eles pronunciam o terrível nada que os priva do fruto de todos os trabalhos da inteligência, e destrói para sempre as mais caras afeições. Mais de um daqueles que gritam mais alto, são os primeiros a tremer à idéia do desconhecido; também, quando se aproxima o momento fatal de entrar nesse desconhecido, bem poucos dormem o último sono com a firme convicção de que não despertarão em alguma parte, porque a Natureza jamais perde os seus direitos.

Dizemos, pois, que, entre a maioria, a incredulidade não é senão relativa; quer dizer, que a sua razão não estando satisfeita nem com os dogmas, nem com as crenças religiosas, e não tendo encontrado nenhuma parte com que encher o vazio que se fizera neles, concluíram que nada havia e construíram sistemas para justificar a negação; não são incrédulos senão por falta de melhor. Os incrédulos absolutos são muito raros, se é que existem.

Uma intuição latente e inconsciente do futuro pode, pois, reter um certo número deles sobre a encosta do mal, e poder-se-ia citar uma multidão de atos, mesmo entre os mais endurecidos, que testemunham esse sentimento secreto que os domina, à sua revelia.

É necessário dizer, também, que, qualquer que seja o grau de incredulidade, as pessoas de uma certa condição social são retidas pelo respeito humano; sua posição as obriga a manter-se numa linha de conduta muito reservada; o que temem, acima de tudo, é a infâmia e o desprezo, que, fazendo-lhes perder, pela queda da posição que ocupam, a consideração do mundo, privariam-nas dos gozos que proporcionam a si mesmas; se não têm sempre o fundo da virtude, têm ao menos o verniz. Mas, para aqueles que não têm nenhuma razão para se prender à opinião, que zombam do que dirão, e não se deixará de convir que não seja a maioria, que freio pode ser imposto ao transbordamento das paixões brutais e aos apetites grosseiros? Sobre qual base se apóia a teoria do bem e do mal, a necessidade de reformar seus maus pendores, o dever de respeitar o que os outros possuem, quando eles mesmos não possuem nada? Qual pode ser o estimulante do ponto de honra para as pessoas a quem se persuade de que não são mais do que animais? A lei, diz-se, está lá para mantê-los; mas a lei não é um código de moral que toca o coração; é uma força que sofrem, e que iludem se o podem; se tombam ao primeiro de seus golpes, é para eles uma chance má, ou uma falta de jeito, que tratam de reparar na primeira ocasião.

Aqueles que pretendem que há mais mérito, para os incrédulos, em fazer o bem sem a esperança de uma remuneração na vida futura, na qual não crêem, se apóiam sobre um sofisma tão pouco fundado. Os crentes dizem também que o bem realizado tendo em vista vantagens que se pretende recolher, é menos meritório; vão mesmo mais longe, porque estão persuadidos de que, segundo o móvel que os faz agir, o mérito pode ser completamente anulado. A perspectiva da vida futura não exclui o desinteresse nas boas ações, porque a felicidade da qual ali se goza está, antes de tudo, subordinada ao grau de adiantamento moral; ora, os orgulhosos e os ambiciosos aí estão entre os menos bem favorecidos. Mas os incrédulos que fazem o bem são tão desinteressados como o pretendem? Se nada esperam do outro mundo, nada esperam deste? O amor-próprio nisso não é levado em conta? São insensíveis à aprovação dos homens? Estaria aí um grau de perfeição raro, e não cremos que haja muitos que a isso sejam levados unicamente pelo culto da matéria.

Uma objeção mais severa é esta: Se a crença na vida futura é um elemento moralizador, por que os homens que a pregaram, desde que estão sobre a Terra, são igualmente tão maus?

Primeiro, quem disse que não seriam piores sem isso? Não se poderia disso duvidar, considerando-se os resultados inevitáveis do niilismo popularizado. Não se vê, ao contrário, observando-se os diferentes escalões da Humanidade, desde a selvageria até a civilização, caminhar à frente do progresso intelectual e moral, o abrandamento dos costumes, e a idéia mais racional da vida futura? Mas esta idéia, ainda muito imperfeita, não pôde exercer a influência que ela terá, necessariamente, à medida que será melhor compreendida, e que se adquira noções mais justas sobre o futuro que nos está reservado.

Qualquer que seja a crença na imortalidade, o homem não se preocupa muito com a sua alma, senão do ponto de vista místico. A vida futura, muito pouco claramente definida, não o impressiona senão vagamente; isso não é senão um objetivo que se perde ao longe, e não um meio, porque a sorte aí está irremediavelmente fixada, e nenhuma parte lhe foi apresentada como progressiva; de onde se conclui que ele o será pela eternidade o que foi ao sair daqui. Aliás, o quadro que dela se faz, as condições determinantes da felicidade ou da infelicidade que aí se experimentam, estão longe, sobretudo num século de exame como o nosso, de satisfazer completamente à razão. Depois, ela não se liga bastante diretamente à vida terrestre; entre as duas, não há nenhuma solidariedade, mas um abismo, de sorte que aquele que se preocupa principalmente com uma das duas, perde quase sempre a outra de vista.

Sob o império da fé cega, essa crença abstrata bastara às inspirações dos homens; então, se deixavam conduzir; hoje, sob o reinado do livre exame, querem se conduzir eles mesmos, ver pelos seus próprios olhos, e compreender; as vagas noções da vida futura não estão à alturas das idéias novas, e não respondem mais às necessidades criadas pelo progresso. Com o desenvolvimento das idéias, tudo deve progredir ao redor do homem, porque tudo se liga, tudo é solidário na Natureza: ciências, crenças, cultos, legislações, meios de ação; o movimento para a frente é irresistivel, porque é a lei da existência dos seres; o que quer que seja que permaneça atrasado, abaixo do nível social, é posto de lado, como as vestes que não servem mais, e, finalmente, é levado pela onda que cresce.

Assim o foi com as idéias pueris sobre a vida futura com as quais se contentavam os nossos pais; persistir em impô-las hoje, seria levar à incredulidade. Para ser aceita pela opinião, e para exercer a sua influência moralizadora, a vida futura deve se apresentar sob o aspecto de uma coisa positiva, tangível de alguma sorte, capaz de suportar o exame; satisfatória para a razão, sem nada deixar na sombra. Foi no momento em que a insuficiência das noções do futuro abria a porta à duvida e à incredulidade, que novos meios de investigação foram dados ao homem para penetrar esse mistério, e fazê-lo compreender a vida futura, em sua realidade, em seu positivismo, em suas relações íntimas com a vida corpórea.

Por que se toma, em geral, tão pouco cuidado com a vida futura? Entretanto, trata-se de uma atualidade, uma vez que se vêem, cada dia, milhares de homens partirem para essa destinação desconhecida? Como cada um de nós deverá partir ao seu turno, e porque a hora da partida pode soar a qualquer minuto, parece natural inquietar-se com o que disso advirá. Por que isso não é feito? Precisamente porque a destinação é desconhecida, e que não se teve, até o presente, nenhum meio para conhecê-la. A ciência inexorável veio desalojá-la dos lugares onde estava circunscrita. Ela está perto? Está longe? Está perdida no infinito? As filosofias dos tempos passados não respondiam nada, porque elas mesmas nada sabiam disso; então, diz-se: "Será o que for"; daí a indiferença.

Ensinam-nos bem que nela se é feliz ou infeliz segundo se tenha bem ou mal vivido; mas isso é tão vago! Em que consiste essa felicidade e essa infelicidade? O quadro que dela se faz está de tal modo em desacordo com a idéia que fazemos da justiça de Deus, semeado de tantas contradições, de inconseqüências, de impossibilidades radicais, que, involuntariamente, se é tomado pela dúvida, se não for pela incredulidade absoluta, e depois se diz que aqueles que se enganaram sobre os lugares assinalados para as moradas futuras puderam, do mesmo modo, ser induzidos em erro sobre as condições que marcam para a felicidade e para o sofrimento. Aliás, como estaremos naquele mundo? Ali seremos seres concretos ou abstratos? Teremos uma forma, uma aparência? Se não temos nada de material, como se pode ali sentir sofrimentos materiais? Se os felizes nada têm a fazer, a ociosidade perpétua, em lugar de uma recompensa, torna-se um suplício, a menos que se admita o Nirvana do Budismo, que não é muito invejável.

O homem não se preocupará com a vida futura senão quando nela ver um objetivo limpo e claramente definido, uma situação lógica, respondendo a todas as suas aspirações, resolvendo todas as dificuldades do presente, e nela não encontre nada que a razão não possa admitir. Se se preocupa com o dia de amanhã, é porque a vida do dia seguinte se liga intimamente à vida da véspera: elas são solidárias, uma com a outra; sabe-se que, do que se faz hoje, depende a posição de amanhã, e do que se fizer amanhã dependerá a posição do depois-de-amanhã, a assim por diante.

Tal deve ser, para ele, a vida futura, quando esta não estiver mais perdida nas nuvens da abstração, mas uma atualidade palpável, completamente necessária da vida presente, uma das fases da vida geral, como os dias são fases da vida corpórea; quando verá o presente reagir sobre o futuro, pela força das coisas, e sobretudo quando compreenderá a reação do futuro sobre o presente: quando, em uma palavra, verá o passado, o presente e o futuro se encadeando por uma inexorável necessidade, como a véspera, o dia e o dia seguinte na vida atual, oh! então as suas idéias mudarão completamente, porque verá, na vida futura, não somente um objetivo, mas um meio; não um efeito distante, mas atual; será então, também, que essa crença exercerá, forçosamente, e por uma conseqüência muito natural, uma ação preponderante sobre o estado social e a moralização.

Tal é o ponto de vista sob o qual o Espiritismo nos faz encarar a vida futura.

Fonte: Obras Póstumas

Um absurdo a mais

Por Nazareno Tourinho

Está na hora de pormos um ponto final nesta dúzia de breves escritos analisando os dislates e disparates da obra de Roustaing, que após retumbante fracasso editorial na época de seu lançamento, em terras francesas, foi ressuscitada no Brasil por alguns companheiros místicos, em briga com outros chamados de “científicos”, nos primórdios de nosso movimento doutrinário, sendo ainda hoje lida graças aos esforços e manobras dos dirigentes da FEB.

Poderíamos ir adiante no presente ensaio crítico, útil e necessário, oportuno em face de acontecimentos lamentáveis, pois, em se tratando dos quatro volumes da 6ª edição febeana da obra rustenista, até nas derradeiras folhas do Volume 4 existem tolices e pieguices dignas de reprovação. Padecendo de explicacite aguda (doença que consiste em querer explicar tudo), o célebre advogado de Bordéus, na página 527 do referido Volume 4, resolve justificar um massacre ordenado por Moisés, e para tanto assegura que “Espíritos protetores, prepostos a vigiar as provas e expiações de cada um, para que elas se cumprissem, impelindo os culpados ou dirigindo as espadas dos que acutilavam,faziam que aqueles recebessem o golpe que os prostaria”. Uma obra que apresenta tais explicações de fatos bíblicos, situando os Espíritos Superiores como capazes de produzir assassinato em massa para cumprimento das leis de DEUS, mereceria talvez mais considerações sobre o seu caráter mistificatório. Não convém, todavia, estendermos estas linhas, porque os leitores terminam se fatigando com a insistência de um articulista no mesmo assunto, e, de resto, o tema em foco sempre foi pouco simpático a muitos espíritas brasileiros, pouco afeitos a cogitações de maior profundidade filosófica, à luz da Codificação kardequiana (infelizmente o que a maioria gosta é de ler romances e textos psicografados de conteúdo sentimental, às vezes líricos e até delirantes). Impõe-se-nos compreender e aceitar a realidade de nosso movimento ideológico, sem mágoas ou ressentimentos, nadando contra a maré da imaturidade desses companheiros de crença tão só até determinado ponto.

Necessitando encerrar aqui, avisamos, contudo, aos confrades estudiosos da matéria, que ampliaremos estes comentários sobre a deletéria obra de J.B. Roustaing com a abordagem das relações pessoais que ele, e sua única médium, Emilie Collignon, tiveram com Allan Kardec, a fim de que o leitor fique ciente de como foi tramado o primeiro cisma do Espiritismo.

A Revista Espírita, editada mensalmente pelo Codificador durante mais de dez anos, forneceu-nos interessantes subsídios a esse respeito, fazendo-nos entender inclusive porque até hoje as diversas Diretorias da FEB nunca se interessaram em traduzi-la e divulgá-la, o que, aliás, historicamente, representa um crime perante a cultura doutrinária do nosso povo.

Fonte:
TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

As lições de Kardec ao crítico

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Por Maria das Graças Cabral

Quando Kardec escreveu e publicou o livro “O que é o Espiritismo” em 1859, tinha como proposta apresentar “num rápido esboço“, o esclarecimento de questões fundamentais, que constantemente vinham à baila. Diante do objetivo proposto para obra, J. Herculano Pires esclarece que Kardec aplica na sua execução o seu “agudo senso de professor formado na escola pestaloziana e orientado pela disciplina e o rigor lógico do pensamento francês”. Com essa formação e estilo, imprimiu a forma decisiva e disciplinada no campo do conhecimento espírita.

A organização do livro se fez da seguinte forma: o primeiro capítulo sob a forma de diálogos, onde Kardec responde às objeções mais comuns da parte dos que desconhecem os princípios fundamentais da doutrina espírita, bem como a refutação dos principais argumentos de seus contraditores; o segundo capítulo apresenta um resumo do Livro dos Médiuns, esclarecendo falsas idéias que se formam em razão do desconhecimento; e o terceiro e último capítulo que traz um resumo do Livro dos Espíritos. O presente texto se deterá apenas ao diálogo travado entre Allan Kardec e o Crítico.

Inicialmente, faz-se por oportuno ressaltar o comportamento prepotente do visitante (crítico), que procurava Kardec objetivando que este o convencesse da realidade dos fenômenos mediúnicos, posto que na sua convicção tudo não passava de pura imaginação, e/ou trapaça.

O crítico acreditava que sua opinião era de grande relevância para o espiritismo. Informava estar escrevendo um livro que segundo sua opinião, ao ser publicado poderia destruir de vez a doutrina espírita. Tal fato poderia ser evitado, caso o interlocutor fosse convencido por Kardec da veracidade dos fenômenos mediúnicos. No caso, sua opinião levaria respeito e credibilidade à doutrina.

Na realidade, queria ser convencido! Considerava-se uma pessoa importante, tendo sua opinião um grande peso para o público, e caberia a Kardec permitindo a sua participação em uma ou duas reuniões experimentais na Sociedade de Paris, fazer com que viesse a mudar de opinião.

Oportuno conferir as palavras iniciais do visitante, quando se reporta ao mestre da seguinte forma: - “Digo-lhe, senhor, que minha razão se recusa a admitir a realidade dos fenômenos extraordinários atribuídos aos Espíritos que, estou persuadido, existem apenas na imaginação. Entretanto, temos que nos inclinar ante a evidência; e isso eu faria se tivesse provas incontestáveis. Venho, pois, solicitar de sua bondade a permissão para assistir, não desejando tornar-se indiscreto, pelo menos a uma ou duas experiências que me convencessem, se isso for possível.”

Vale observar que o crítico alegava que sua razão não admitia a realidade dos fenômenos, levando-o a crer que não passavam de fatos imaginários. Não obstante, se houvessem provas incontestáveis, ele se curvaria às evidências. Insistia que para isso, seria suficiente assistir a uma ou duas sessões experimentais...

Allan Kardec se depara no caso em tela, com uma personalidade prepotente e totalmente ignorante dos princípios espíritas, que se arvorava de crítico do espiritismo! Diante do arrogante interlocutor, o Codificador dá uma lição de equilíbrio emocional, educação, rigor e clareza nas respostas.

Kardec começa argumentando que se a “razão” do crítico se recusa a admitir fatos considerados pelos espíritas como irrecusáveis, é porque tem a sua razão em alta conta, se sobrepondo às convicções de todas as outras pessoas que pensam de forma diferente. Diante de tal fato, não caberia, portanto mais nenhum tipo de diálogo.

Entretanto, o interlocutor propõe que o Mestre procure convencê-lo, posto que, na condição de conhecido antagonista de Kardec, o seu convencimento “constituiria um milagre favorabilíssimo” à causa espírita.

A argumentação do Codificador passa primeiramente pela “desconstrução” do que o oponente considera como um “milagre” favorável à causa espírita. Assevera ao interlocutor que, não seriam apenas uma ou duas sessões suficientes para que este tivesse o real conhecimento do fenômeno mediúnico. Além do que, as reuniões experimentais que organizava, não objetivavam satisfazer a curiosidade, nem muito menos forçar o convencimento de ninguém. Acrescenta que, em relação aos antagonistas com convicções arraigadas, não daria “um passo para desviá-los”, pois não tinha o menor interesse em fazer prosélitos.

Kardec, de forma clara e direta diz ao crítico que aprendeu com o Espiritismo a “dar pouco valor às mesquinhas suscetibilidades do amor próprio,”, pois “aprendeu a não se ofender com palavras“. Caso as palavras do interlocutor viessem a ultrapassar os limites da cortesia e decência, concluiria apenas que este não passava de um homem mal educado, preferindo não partilhar dos defeitos alheios. (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 14)

Depois de deixar claro que não teria o menor interesse em convencer o visitante, o Mestre adverte-o que caso tivesse a pretensão de se colocar na condição de crítico do espiritismo, deveria antes de mais nada, tornar-se um profundo conhecedor deste. O Codificador preceitua que o crítico não pode limitar-se a dizer que determinada coisa é boa ou má. A condição sine qua non que justificaria e daria credibilidade à sua opinião, passaria pelo estudo profundo da matéria, que o levaria ao conhecimento dos princípios doutrinários objeto da critica.

Pretendendo firmar seu posicionamento, indaga ao interlocutor, como poderia este criticar os fenômenos espíritas, se desconhecia os postulados que os justificavam e serviam de esteio? Acrescenta que “cada qual é perfeitamente livre de aprovar ou desaprovar os princípios do Espiritismo, de deduzir deles as conseqüências boas ou más que lhe aprouverem. Mas a consciência impõe um dever a todo crítico honesto: o dever de não dizer o contrário daquilo que realmente é. Ora, para isso, a primeira condição é calar sobre o que ignora.” (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 19)

Adiante surge outra questão relevante no diálogo, quando o crítico se diz persuadido de que os fenômenos das mesas girantes, as pancadas, psicografias, não passavam de embuste. Kardec indaga de pronto, quanto este pagou para apreciar o espetáculo. Responde-lhe o interlocutor que nada foi cobrado por parte dos charlatães.

O Mestre refuta mais uma vez o equívoco do visitante, chamando-lhe a atenção para o fato de que nunca tinha visto charlatães desinteressados, esclarecendo-o que mesmo que haja “uma manobra fraudulenta positivamente constatada, o fato nada prova contra a realidade do princípio. Basta levar-se em conta que tudo é passível de abuso.” (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 18) Ou seja, não se pode generalizar que em todos os fenômenos haja fraude. Que todos os médiuns sejam charlatães, movidos pelo simples prazer de vivenciar o embuste e que, por conseguinte não existiriam fenômenos mediúnicos, sendo tudo mera armação!

Kardec mais uma vez de forma direta e educada, esclarece ao interlocutor que trata de forma diferenciada o incrédulo por ignorância do incrédulo sistemático, pois sempre que percebia as “disposições favoráveis” de alguém, tinha prazer em esclarecê-lo. Não obstante, não perderia seu tempo com aqueles que apresentassem apenas a falsa aparência do desejo de aprender.

Orienta o crítico a instruir-se primeiramente pela teoria, e preceitua: “Leia as obras que tratam da ciência e medite. Nelas encontrará os princípios fundamentais, a descrição de todos os fenômenos.”

Diante do exposto, podemos constatar que Kardec não se preocupava em firmar convencimento de quem não estava intimamente interessado em compreender os preceitos espíritas. O Codificador não tinha o menor interesse de alimentar a curiosidade de ninguém, nem de fazer prosélitos. Também não temia a crítica dos antagonistas, pois confiava na força da Doutrina dos Espíritos.

Em várias oportunidades o Mestre foi categórico na necessidade do estudo sério dos preceitos espíritas, começando pela análise teórica. Isto porque, no seu entendimento para a organização das sessões experimentais fazia-se imprescindível a compreensão de toda a dinâmica dos fenômenos mediúnicos. Para tanto o conhecimento doutrinário daria toda a segurança e confiabilidade para lidar com a complexidade que envolve o processo mediúnico.

Referência Bibliográfica


Kardec, Allan. O Que é o Espiritismo. Editora Lake. SP-SP. 26ª edição. 2001.

Fonte: Blog Um Olhar Espírita - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2012/06/as-licoes-de-kardec-ao-critico.html

[ESE] - O Suicídio e a Loucura

Por Allan Kardec

A calma e a resignação adquiridas na maneira de encarar a vida terrena, e a fé no futuro, dão ao Espírito uma serenidade que é o melhor preservativo da loucura e do suicídio. Com efeito, a maior parte dos casos de loucura são provocados pelas vicissitudes que o homem não tem forças de suportar. Se, portanto, graças à maneira por que o Espiritismo o faz encarar as coisas mundanas, ele recebe com indiferença, e até mesmo com alegria, os revezes e as decepções que em outras circunstâncias o levariam ao desespero, é evidente que essa força, que o eleva acima dos acontecimentos, preserva a sua razão dos abalos que o poderiam perturbar.

O mesmo se dá com o suicídio. Se excetuarmos os que se verificam por força da embriaguez e da loucura, e que podemos chamar de inconscientes, é certo que, sejam quais forem os motivos particulares, a causa geral é sempre o descontentamento. Ora, aquele que está certo de ser infeliz apenas um dia, e de se encontrar melhor nos dias seguintes, facilmente adquire paciência. Ele só se desespera se não ver um termo para os seus sofrimentos. E o que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem menos que um dia? Mas aquele que não crê na eternidade, que pensa tudo acabar com a vida, que se deixa abater pelo desgosto e o infortúnio, só vê na morte o fim dos seus pesares. Nada esperando, acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.

A incredulidade, a simples dúvida quanto ao futuro, as idéias materialistas, em uma palavra, são os maiores incentivadores do suicídio: elas produzem a frouxidão moral. Quando vemos, pois, homens de ciência, que se apóiam na autoridade do seu saber, esforçarem-se para provar aos seus ouvintes ou aos seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não o vemos tentando convencê-los de que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Que poderiam dizer para afastá-los dessa idéia? Que compensação poderão oferecer-lhes? Que esperanças poderão propor-lhes? Nada além do nada! De onde é forçoso concluir que, se o nada é o único remédio heróico, a única perspectiva possível, mais vale atirar-se logo a ele, do que deixar para mais tarde, aumentando assim o sofrimento.

A propagação das idéias materialistas é, portanto, o veneno que inocula em muitos a idéia do suicídio, e os que se fazem seus apóstolos assumem uma terrível responsabilidade. Com o Espiritismo, a dúvida não sendo mais permitida, modifica-se a visão da vida. O crente sabe que a vida se prolonga indefinidamente para além do túmulo, mas em condições inteiramente novas. Daí a paciência e a resignação, que muito naturalmente afastam a idéia do suicídio. Daí, numa palavra, a coragem moral.

O Espiritismo tem ainda, a esse respeito, outro resultado igualmente positivo, e talvez mais decisivo. Ele nos mostra os próprios suicidas revelando a sua situação infeliz, e prova que ninguém pode violar impunemente a lei de Deus, que proíbe ao homem abreviar a sua vida. Entre os suicidas, o sofrimento temporário, em lugar do eterno, nem por isso é menos terrível, e sua natureza dá o que pensar a quem quer que seja tentado a deixar este mundo antes da ordem de Deus. O espírita tem, portanto, para opor à idéia do suicídio, muitas razões: a certeza de uma vida futura, na qual ele sabe que será tanto mais feliz quanto mais infeliz e mais resignado tiver sido na Terra; a certeza de que, abreviando sua vida, chega a um resultado inteiramente contrário ao que esperava; que foge de um mal para cair noutro ainda pior, mais demorado e mais terrível; que se engana ao pensar que, ao se matar, irá mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo à reunião, no outro mundo, com as pessoas de sua afeição, que lá espera encontrar. De tudo isso resulta que o suicídio, só lhe oferecendo decepções, é contrário aos seus próprios interesses. Por isso, o número de suicídios que o Espiritismo impede é considerável, e podemos concluir que, quando todos forem espíritas, não haverá mais suicídios conscientes. Comparando, pois, os resultados das doutrinas materialistas e espírita, sob o ponto de vista do suicídio, vemos que a lógica de uma conduz a ele, enquanto a lógica de outra o evita, o que é confirmado pela experiência.

Fonte: O Evangelho Segundo o Espiritismo - tradução de José Herculano Pires.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Kardec Foi um Filósofo?

Allan Kardec
Por Jaci Regis
Três questões serão debatidas neste trabalho:

1.) Como conciliar o fato de o Espiritismo se declarar, simultaneamente, uma revelação e uma filosofia;
2.) É possível caracterizar a obra de Kardec como uma obra filosófica?
3.) Como resolver o paradoxo da fé raciocinada?

O objetivo final é provar que o Espiritismo é uma filosofia.

I

No livro “A Gênese”, Allan Kardec afirma que o Espiritismo é uma revelação e procura mostrar o seu caráter. Mas, também, ao longo de sua obra e de forma taxativa, caracteriza-o como uma filosofia.

Devemos, pois, em primeiro lugar, tentar compreender o que sejam filosofia e revelação. Comecemos por filosofia.

Não tem sido fácil definir o que seja filosofia. Entretanto, existe um conceito espontâneo de que a filosofia é uma parte essencial da atividade do homem. Ligada à sabedoria, ao exame e à discussão exaustiva, embora não conclusiva, das causas e dos seres, a filosofia tem sido caracterizada como uma atividade superior do homem, um exercício indispensável ao saber e à certeza.

Historicamente, distinguem-se duas formas de exercício da filosofia: de um lado a socrático-platônica, que exprime uma concepção do eu, isto é, uma autorreflexão do espírito sobre os seus supremos valores teóricos e práticos, sobre os valores do verdadeiro, o bom e o belo. De outro, a aristotélica, que apresenta, antes de tudo, uma concepção do universo. Embora tenha havido uma regularidade pendular entre essas duas concepções, tende-se a uma acumulação, a uma conjugação desses pontos, pois a filosofia é simultaneamente as duas coisas: uma concepção do eu e uma concepção do universo.

Em síntese, pode-se compreender que a filosofia é uma autorreflexão do espírito sobre seu comportamento e, ao mesmo tempo, uma aspiração ao conhecimento das últimas ligações entre as coisas.

Quanto à revelação, analisaremos, ainda que rapidamente, as colocações feitas por Allan Kardec no capítulo I de “A Gênese”, servindo-nos da tradução de Guillon Ribeiro (edição da FEB). Nele, o autor define revelação como “dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida”. Logo, “deste ponto de vista, todas as ciências que nos fazem conhecer os mistérios da Natureza são revelações e pode dizer-se que há para a Humanidade uma revelação incessante” (item 2). E adiante: “O que de novo ensinam aos homens (os grandes gênios, messias, missionários) quer na ordem física, quer na ordem filosófica, são revelações (grifo de Kardec). “Se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-las para as verdades morais, que constituem elementos essenciais do progresso. Tais são os filósofos, cujas ideias atravessam os séculos” (item 6). No tocante à revelação religiosa, diz Kardec: “implica a passividade absoluta e é aceita sem verificação, sem exame e discussão” (item 7).

Finalmente, quanto ao Espiritismo, afirma Kardec: “é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra”, isto é, dá “a conhecer o mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivemos sem o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem depois da morte” (item 12).

Kardec coloca o Espiritismo como uma “revelação científica” que é caracterizada por ser “divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem”. É uma revelação científica, enfatiza: “por não ser ensino (dos Espíritos) privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida pelo trabalho do homem, da observação aos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações” (item 13 - grifos de Kardec).

Isso fica mais claro ainda quando ele analisa a questão: “qual a autoridade da revelação espírita, uma vez que emana de seres de limitadas luzes e não infalíveis?” Nessa aparente fragilidade, o Codificador aponta sua característica básica, ao afirmar que o Espiritismo é fruto da elaboração entre pessoas de dois planos de vida. Os Espíritos propõem, mas os homens concorrem com o seu raciocínio e seu critério, tudo submetem ao cadinho da lógica e do bom senso. Isto é, o homem se beneficia dos conhecimentos especiais que os Espíritos dispõem pela posição em que se acham, sem abdicar do uso da própria razão (item 57).

Esse caráter específico da revelação espírita é, também, uma inovação no campo filosófico, antes dominado apenas pela cogitação a partir de um ponto de observação unilateral, isto é, da busca e da inquietação do homem perante o mistério e as contradições do ser, diante de si mesmo, da existência e do universo. Agora, esse mesmo cogitar é enriquecido pela contribuição de homens que passaram a existir numa dimensão diferente, — os Espíritos — mas dentro da humanidade.

Sendo, em lato senso, urna elaboração da razão humana — encarnada e desencarnada — o Espiritismo é uma reflexão sobre o ser e o universo, abrangendo a totalidade e não se detendo no particular. A palavra “revelação” é, num primeiro sentido, uma contradição nesse quadro e só é aceita por Kardec a partir de uma visão didática, para que a intervenção das inteligências desencarnadas seja compreendida no processo.

II

Poderá a obra de Allan Kardec ser categorizada como filosófica? Ou melhor seria considerá-la uma obra didática? Encontramos no seu transcorrer uma reflexão sobre o ser, o belo, o bom? Há, em seu bojo, cogitações sobre a natureza essencial das coisas, uma visão do universo e das relações últimas entre os objetos? Sim, a resposta é afirmativa.

Entretanto, o fato desses temas serem abordados não significa, necessariamente, que a obra seja filosófica. O que caracteriza esse aspecto é o fato de apresentar uma reflexão, propor soluções e inovar na abordagem de temas que, sendo universais e se constituírem razão da cogitação da inteligência, se enquadrem num quadro amplo da inquietação do homem.

Analisada sob esse ângulo, a obra de Kardec é, em seu conjunto, uma reflexão filosófica. O próprio “O Livro dos Espíritos” é um filosofar dialético entre duas inteligências humanas, reunidas no ato de refletir sobre os fundamentos do ser, do destino e de Deus. Semelhante ao diálogo do Banquete, de Platão, Kardec e o Espírito da Verdade, maieuticamente confabulam num mesmo nível de inquietude. Esse debate dialético não espelha um superior ministrando lições a um inferior. Mas, duas potências do saber dialogam, exprimindo visões específicas que resultam na síntese doutrinária do Espiritismo. A partir desse diálogo, Kardec, seja nos comentários que aduz às questões ou em capítulos inteiros de “O Livro dos Espíritos”, evidencia o tratamento filosófico das ideias.

O que caracteriza, por outro lado, a filosofia kardecista, se assim podemos falar, é a sua praticidade. Marx afirmou que “os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras; trata-se é de transformá-lo”, exigindo a crítica radical, que vai às raízes e à práxis, isto é, à ação revolucionária. Essa tese foi lançada por Marx por volta de 1845, doze anos antes de “O Livro dos Espíritos”. Pode-se dizer que Kardec também realizou, a seu modo, uma filosofia de ação, de pratos, transformadora e revolucionária, ao propor uma nova reflexão sobre os fundamentos da vida, do ser e do mundo, inaugurando a visão espírita. E, também, promoveu a elevação dos Espíritos à categoria de seres existentes e não potenciais, ao abrir, por assim dizer, a cortina que separava o homem vivente no plano corpóreo ao homem vivente no plano extrafísico.

A filosofia que Kardec desenvolveu foi discursiva-racional, não considerando a intuição como uma fonte autônoma de conhecimento. Embora reconhecendo a totalidade emocional, volitiva e cognitiva do Espírito, não poderia deixar de cingir-se à razão como juíza do saber. Não nega a intuição como uma das formas de apreensão da realidade. Todavia, “toda intuição tem que legitimar-se perante o tribunal da razão”.

Embora seguindo, sob certos aspectos, um esquema muito ligado às preocupações teológicas, Kardec manteve-se numa linha de equilíbrio racional, definindo, por fim, o Espiritismo como filosofia moral, com o que se libertou das amarras de uma teologia. A reflexão sobre a reencarnação, como instrumento de desenvolvimento das potências do Espírito, define a filosofia espírita, em oposição à teologia.

Na verdade, o esquema kardecista seguiu, em linhas gerais, a própria estrutura do pensamento filosófico da época. Foi a partir do século 19 que as ciências se libertaram definitivamente da filosofia, mudando esta seu campo de atividade e atuação formal.

O didatismo de Kardec não prejudica a sua obra, nem lhe descaracteriza a fundamentação filosófica. Exprime, apenas, uma face da capacidade de comunicação própria do autor, cujo estilo sem adjetivação excessiva, o torna objetivo, desprendido de palavras e formulações tortuosas. Deve-se ter em mente que o professor Rivail mostrou em sua obra — cerca de 21 volumes — um poder de objetividade, de concisão ainda não suficientemente estudado, antecipando-se aos progressos da linguagem atuais tanto da informática, quanto da linguística. O fato de escrever numa linguagem direta, limpa, inova mais uma vez, enriquecendo o conteúdo filosófico.

Se acompanharmos o pensamento kardecista, não apenas nos livros fundamentais, mas ao longo das edições da “Revista Espírita”, haveremos de reconhecer a posição de Kardec como homem prático, jornalista, administrador, pesquisador, orador, líder, polemista, escritor, o que naturalmente não lhe poupava tempo para elucubrações excessivamente teóricas. No espaço de apenas 14 anos escreveu mais de 20 livros, incluindo as edições da “Revista Espírita”, que redigiu sozinho e desenvolveu uma atividade realmente exaustiva. Realizou, todavia, uma teorização sobre os fatos, de modo que não se perdessem os resultados das pesquisas e das observações.

Flammarion chamou-lhe de “Bom Senso Encarnado”, mas negou-lhe o caráter de cientista. Todavia, com o desenvolvimento das ciências humanas, já não se pode negar a Kardec, também, esse título porque realizou, como Bozzano, embora em menor escala, é verdade, um árduo trabalho de pesquisa, observações pessoais e coleta de dados. Com todo esse material, deduziu um conjunto de ideias e fundamentos. Foi filósofo do real, da ação, da prática, apoiando-se em dados experimentais. Deduziu sobre os fundamentos morais do universo — refletindo sobre a natureza do homem, suas dimensões físico-espirituais, o processo evolutivo a que está submetido, sua imortalidade e seu destino. Especulou sobre o absoluto, Deus, como centro de interesse e equilíbrio do Universo.

Mesmo nos livros que numa falsa visão cultural são chamado de “religiosos”, manteve essa postura filosófica. Tanto no “Evangelho Segundo o Espiritismo”, como no “O Céu e o Inferno”, que abordam temas da teologia, comportou-se de maneira coerente com sua visão filosófica e é sob este ângulo que examina, tanto a contribuição de Jesus de Nazaré, que libera dos aspectos místicos, para concentrar-se no conteúdo moral de seu ensino, quanto os aspectos da Justiça Divina, em “O Céu e o Inferno”.

III

Se Allan Kardec estruturou a Doutrina Espírita como uma filosofia moral, porque, contraditoriamente, adotou o tema “Fé raciocinada”? Se, como ele repetidas vezes afirmou, o Espiritismo é uma doutrina positiva, repudiando todo o misticismo, qual o motivo que o teria levado a mencionar a fé como uma condição importante para o homem?

Mostramos que a estrutura filosófica do Espiritismo é discursiva-racional e que abrange tanto uma concepção do ser, como uma concepção do universo e, mais ainda, projeta-se como uma práxis, atuando no mundo para modificá-lo. Trata-se como se vê, de tentativa para sintetizar a angústia humana, convergindo, inevitavelmente, para o campo moral. Ora, as religiões sempre se colocaram como guardiãs da moralidade, embora, quase sempre, decaindo para um moralismo. Kardec não podia negligenciar o fato de que a moralidade é a meta principal do Espiritismo — embora enfocada sob uma visão libertadora. Daí o ter afirmado que o Espiritismo é forte por tocar os pontos principais das religiões: Deus, o espírito e as penas futuras. Chegou mesmo a tentar colocar o Espiritismo como o elo, a aliança entre a ciência e a religião.

E aí se situa a sabedoria da proposta espírita. Não é uma postura inflexível porque é progressiva e isso lhe garante a mobilidade, abrindo-se para compreender as múltiplas formas de expressão do Espírito em sua caminhada evolutiva. E, nessa caminhada, a religião tem sido um fator marcante, embora nem sempre positivo, ao contrário, o que levou Kardec a lamentar que “infelizmente as religiões hão sido sempre instrumentos de dominação” (“A Gênese”, cap. I, item 8).

No domínio da fé, temos uma atitude específica do Espírito. Ela é intuitiva, é a apreensão da totalidade, a germinação da certeza interna, surgida da vivência, dos valores. David Hume, filósofo inglês, definiu-a dessa forma: “a fé é muito mais um ato da parte afetiva de nossa natureza do que de sua parte pensante”.

Ao postular a “fé raciocinada”, Kardec inseria um paradoxo, considerando as bases da filosofia espírita, chamando-nos à reflexão. Definindo essa contradição, Kardec afirma: “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da humanidade” (“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, tradução de Guillon Ribeiro - FEB). Quer dizer, ele afirma que a inabalavidade da fé depende da razão, ou seja, que a apreensão intuitiva da totalidade, como uma certeza interna, pode ser falsa, incorrer em erro de interpretação, se não passar pelo crivo da razão. Dessa atitude surge uma nova fé que seria motivadora, totalizadora, porque submetida ao juízo racional.

Dentro dessa perspectiva, o Espiritismo se propõe a aliar a ciência e a religião, mas, todavia, não se reduz nem a uma nem a outra, mas transcende-as. Dialeticamente, aceitando a ciência e a religião como posições reais no conhecimento e vivência humanas, o Espiritismo procura transformá-las. De um lado, sendo ciência do Espírito, completa a ciência convencional cujo objeto é o conhecimento do meio físico como o único concreto e possível. De outro, destruindo o sobrenatural em que a religião se assenta, liberta o homem de um conceito estreito e falacioso da vida, propondo-se como filosofia moral, onde os conceitos morais coexistem com a racionalidade e desataviados dos prejuízos do culto.

Kardec rejeitou o fato de que o homem crer em Deus e orar se caracterizasse como um ato místico. Ao contrário, afirmou ser uma atitude positiva, decorrente da abertura que o Espiritismo, filosoficamente, promove. Logo, a fé que Kardec aborda é, sobretudo, saber, crença baseada na razão. E se estrutura como uma nova postura do homem perante a vida, pois que não nega o impulso da experiência interna na apreensão da totalidade, mas indica o caminho da crítica e da atividade construtiva, para que a fé não continue sendo contemplação e alienação místicas.

IV
Sendo o Espiritismo uma nova visão do homem e do mundo, caracteriza-se como um pensar filosófico, como uma filosofia estruturada na pesquisa do conhecimento, do ser e do universo. Tendo base experimental, seu filosofar é existencial, atua no mundo para modificá-lo. O pensamento kardecista — isto é, espírita — apresenta-se como um sistema de ideias claramente definido e eficientemente deduzido. Essa afirmativa nos leva à conclusão de que o professor Hipollyte Léon Denizard Rivail — Allan Kardec — pode ser conceituado como um autêntico filósofo, na lídima acepção do termo.

Observação: No tocante às definições de filosofia, usamos expressões do livro “Teoria do Conhecimento”, do professor Johannes Hessen, 3a edição - Armênio Amado Editor, Coimbra - Portugal.

Fonte: revista “A Reencarnação”, n º 401 - Ano L - outubro de 1984, órgão de divulgação da Federação Espírita do Rio Grande do Sul.
Jaci Regis (1932-2010), psicólogo, jornalista, economista e escritor espírita, foi o fundador e presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS), idealizador do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita (SBPE), fundador e editor do jornal de cultura espírita “Abertura” e autor dos livros “Amor, Casamento & Família”, “Comportamento Espírita”, “Uma Nova Visão do Homem e do Mundo”, “A Delicada Questão do Sexo e do Amor”, “Novo Pensar - Deus, Homem e Mundo”, dentre outros.

Retirado do site PENSE - http://viasantos.com/pense/arquivo/1359.html

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Evocar ou Não Evocar Determinados Espíritos?

Por Maria das Graças Cabral

O presente texto tem por objetivo tratar do seguinte questionamento: - Se deve ou não evocar determinados Espíritos nas reuniões mediúnicas? A esse respeito, hodiernamente o procedimento usual e padronizado nos centros espíritas ou grupos de estudo, é o de “não evocação” ou “comunicação espontânea”, em consonância com o entendimento do Espírito Emmanuel, mentor do médium Chico Xavier.

A esse respeito o referido Espírito, no livro O Consolador, psicografado pelo médium acima mencionado, quando indagado se é aconselhável a evocação direta de determinados Espíritos, assim se posiciona: - “Não somos dos que aconselham a evocação direta e pessoal, em caso algum. Se essa evocação é passível de êxito, sua exeqüibilidade somente pode ser examinada no plano espiritual.” (O Consolador - pergunta 369, p. 207) (grifo e negrito meus) Como se não ocorresse o mesmo com a comunicação espontânea!

Acrescenta Emmanuel: “Daí a necessidade de sermos espontâneos, porquanto, no complexo dos fenômenos espiríticos, a solução de muitas incógnitas espera o avanço moral dos aprendizes sinceros da Doutrina. O estudioso bem intencionado, portanto, deve pedir sem exigir, orar sem reclamar, observar sem pressa, considerando que a esfera espiritual lhe conhece os méritos e retribuirá os seus esforços de acordo com a necessidade de sua posição evolutiva e segundo o merecimento do seu coração. Podeis objetar que Allan Kardec se interessou pela evocação direta, procedendo a realizações dessa natureza, mas precisamos ponderar, no seu esforço, a tarefa excepcional do Codificador, aliada a necessidades e méritos ainda distantes da esfera de atividade dos aprendizes comuns.” (O Consolador - pergunta 369, p. 207) (grifo e negrito meus)

Diante das elucidações feitas por Emmanuel, observa-se que sua argumentação se opõe sumariamente à evocação direta, sustentando-se primeiramente no entendimento de que o êxito de tais evocações só poderia ser averiguado no plano espiritual. Indaga-se: - Por acaso o êxito da comunicação espontânea tem como ser apurada com toda a segurança no plano material?! Quais seriam os critérios de segurança? Isso objetivamente ele não aponta.

Em seguida alega que devemos pedir sem exigir, orar sem reclamar, etc.. Será que para Emmanuel evocar, chamar, significa exigir, ou impor aos Espíritos seu comparecimento? Rebate que em razão de nossa precária condição moral não devemos evocar Espírito nenhum. Pondera que com Kardec foi diferente, pois o mesmo executava a extraordinária tarefa da codificação associada às suas virtudes pessoais que estamos longe de auferir.

A argumentação de Emmanuel torna-se inaceitável pois a Doutrina dos Espíritos veio para todos independentemente de grau evolutivo, visando alavancar o progresso do espírito humano. Allan Kardec não teria tido todo o cuidado de explanar de forma clara e pedagógica, desenvolvendo um verdadeiro tratado sobre mediunidade em O Livro dos Médiuns, se não objetivasse que a mediunidade fosse bem compreendida e o trabalho mediúnico seguro e acessível a todos.

No que tange às evocações, nas Considerações Gerais do Capítulo XXV de O Livro dos Médiuns quando trata do tema em tela, o Mestre começa pontuando que “algumas pessoas acham que não devemos evocar nenhum Espírito, sendo preferível esperar o que quiser comunicar-se. Entendem que chamando determinado Espírito não temos a certeza de que é ele que se apresenta, enquanto o que vem espontaneamente, por sua própria iniciativa, prova melhor a sua identidade, pois revela assim o desejo de conversar conosco.” (O Livro dos Médiuns - item 269)

Não obstante, estabelece o Codificador que optar pela comunicação espontânea “é um erro”! Observe-se que taxativamente considera um ERRO a não evocação, justificando seu entendimento com as seguintes palavras: “Primeiramente porque estamos sempre rodeados de Espíritos, na maioria das vezes inferiores, que anseiam por se comunicar. Em segundo lugar, e ainda por essa mesma razão, não chamar nenhum em particular é abrir a porta a todos os que querem entrar. Não dar a palavra a ninguém numa assembléia é deixá-la livre a todos, e bem sabemos o que disso resulta. O apelo direto a determinado Espírito estabelece um laço entre ele e nós; o chamamos por nossa vontade e assim opomos uma espécie de barreira aos intrusos. Sem o apelo direto um Espírito muitas vezes não teria nenhum motivo para vir até nós, se não for um nosso Espírito familiar.” (O Livro dos Médiuns - item 269) (grifei)

Acrescenta ainda que (...) “as comunicações espontâneas não têm nenhum inconveniente quando controlamos os Espíritos e temos a certeza de não deixar que os maus venham a dominar.” (O Livro dos Médiuns - item 269) (grifei) Constata-se que Kardec demonstra a temeridade de lidar com tais comunicações espontâneas, em face da dificuldade de se controlar os Espíritos comunicantes, e obstar de forma efetiva o domínio dos maus. Ou seja, o Codificador não apenas “se interessou” pelas evocações como “sutilmente” afirma Emmanuel. Ele as utilizou de forma sistemática e rechaçou as comunicações espontâneas considerando tal prática um “erro”. Até porque Kardec nunca usou de subterfúgios nem meias palavras. Sempre primou pela correição de vocabulário e clareza de idéias!

Entende-se, portanto que o interesse de certos Espíritos nas comunicações espontâneas está justamente na liberdade que os permite facilmente mistificar. Não obstante, Kardec com muita propriedade argüiu que numa reunião onde a palavra não é dada a ninguém, fala quem quer o que quer, tendo como corolário reuniões desorganizadas, improdutivas e mistificadas.

A esse respeito, faz-se por oportuno também mencionar as sessões mediúnicas onde vários Espíritos se comunicam espontânea e concomitantemente, ocorrendo paralelas doutrinações. Indaga-se: - Uma reunião nesses moldes obedece aos preceitos de organização e respeito que Kardec impinge às sessões experimentais? É óbvio que uma reunião onde várias pessoas falam ao mesmo tempo, denota total falta de urbanidade e descaso pela exposição de cada um. Imagine-se tal ocorrência num ambiente com Espíritos nos mais variados estágios de desequilíbrio!

Diante do exposto, reporto-me a uma publicação de Kardec na Revista Espírita de janeiro de 1865, intitulada “Nova Cura de uma Jovem Obsedada de Marmande”. Tratava-se de uma jovem de treze anos que experimentava crises convulsivas de tal violência, que cinco homens tinham dificuldade de mantê-la em seu leito. Depois das mais diversas tentativas de tratamento médicos e do padre que rezou missa na intenção da jovem, constatou-se o insucesso dos recursos utilizados.

Daí, um grupo espírita de Marmande consultou os guias espirituais sobre a natureza da moléstia da jovem. A resposta dada pelos guias foi à seguinte: “É uma obsessão das mais graves, cujo caráter mudará muitas vezes de fisionomia. Agi friamente, com calma; observai, estudai e chamai Germaine”, acrescentando que na primeira evocação, o Espírito de Germaine não poupou injúrias e “mostrou grande repugnância em responder às nossas interpelações.” (Revista Espírita - Janeiro de 1865, p. 20/21) (grifei)

Adiante, assevera o narrador que os guias deram a seguinte instrução: “Procedei com muito cuidado, muita observação e muito zelo. Tratareis com um Espírito mistificador, que alia a astúcia e a habilidade hipócrita a um caráter muito mal. Não cesseis de estudar, de trabalhar pela moralização desse Espírito e de orar com essa finalidade.” (...) (Revista Espírita - Janeiro de 1865, p. 21)

No caso em tela observa-se a prática da evocação numa sessão mediúnica de desobsessão, onde em um primeiro momento são evocados os guias espirituais objetivando esclarecimento e orientação de como agir face à complexidade do caso. Num segundo momento obedecendo às disposições dadas pelos guias, é feita a evocação do obsessor.

Na leitura do longo processo relatado na Revista, observa-se a alternância das evocações. Em certos momentos são os guias evocados, e sob a orientação destes evocava-se o Espírito obsessor, até o deslinde total da problemática. Ou seja, de acordo com o presente exemplo publicado na Revista Espírita, Kardec demonstra a prática das evocações nas sessões de desobsessão.

Diante do exposto, constata-se que pela falta de estudo, valorização e respeito aos ensinos ministrados pela Espiritualidade Superior e positivados por Allan Kardec, somos levados a acatar orientações alienígenas, anti-doutrinárias, que não trazem em absoluto a tão almejada segurança das comunicações mediúnicas.

Não obstante vale ressaltar, que todos os ensinamentos ministrados pelo Codificador não provinham de uma teoria própria nem de um único Espírito. Mas de uma plêiade de Espíritos evoluídos e preparados para tão grande empreitada!

Finalizando, fica claro que o médium que se diz espírita deveria obrigatoriamente ter como literatura objeto de estudo e orientação nas práticas mediúnicas O Livro dos Médiuns conjuntamente com a Revista Espírita, repositório de experiências e lições que o Codificador disponibilizou para o esclarecimento dos Espiritistas. Obviamente não desconsiderando as demais Obras Fundamentais que estabelecem o alicerce doutrinário.

No que concerne às evocações, se fizermos uma análise racional e profunda da proposta de Kardec, e o tivermos na conta do maior estudioso e conhecedor da Doutrina Espírita na condição de Codificador, assessorado por toda uma equipe espiritual de elevada evolução, não temos como duvidar do melhor procedimento a ser adotado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Ed. LAKE. SP/SP, 22ª edição. 2002.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Ano VIII. Janeiro de 1865. Ed. FEB. Brasília/DF. 3ª edição. 2004.
XAVIER, Cândido Francisco. O Consolador. Ditado pelo Espírito Emmanuel. Ed. FEB. RJ/RJ. 17ª edição. 1995.

Fonte: Blog "Um Olhar Espírita" - http://umolharespirita1.blogspot.com.br/2012/07/evocar-ou-nao-evocar-determinados.html

La Moral En La Doctrina Espirita

 Por Manuel S. Porteiro

La moral es muy importante en la vida de los hombres, Jesús, como Krishna y como otros espíritus luminosos que supieron ordenar al hombre sin imponerle claudicaciones, no fundaron ninguna religión positiva; enseñaron, sí, una moral sublime, idéntica para todos los hombres, sin sujeción a tiempos, lugares ni circunstancias, sin casuística ni acomodos, moral que lo mismo sirve para realizar el ideal de felicidad humana en este mundo, que para guiar al espíritu en la senda de su progreso indefinido. Esta moral es esencialmente idéntica a la que se desprende de la filosofía espiritista, pero esta última tiene el valor de su fundamento científico, de sustituir el parabolismo de aquélla con una forma racional de explicación y dar también al hombre su razón de ser moral.

El Espiritismo viene hoy a levantar la moral caída, a darle una base científica, a demostrar que lo que ayer fue intuición filosófica, es hoy verdad positiva; viene a  probar con hechos que los principios morales entran grados de desarrollo, que son propios del espíritu, no del organismo ni de la materia, que la moralidad se manifiesta en cada uno según el grado de evolución alcanzado; viene a demostrar que el hombre es un espíritu encarnado, sujeto a continua evolución, que ha vivido en anteriores existencias en estados biológicos interiores y que una vez abandonado su cuerpo material, continúa evolucionando progresivamente, subiendo de tramo en tramo la escala infinita de su progreso, en este o en otros mundos más en armonía con su desarrollo espiritual, que la mayor capacidad moral e intelectual depende del esfuerzo propio de cada ser, de la actividad que despliegue para alcanzarla, que la adquisición de esta capacidad, siempre creciente en su infinito desarrollo, consiste en el ejercicio de todas sus facultades y aptitudes, inspiradas en el bien y puestas al servicio de sus semejantes y, en lo posible, de los demás seres que le rodean; viene a establecer la fraternidad universal sobre las mismas leyes de la evolución, demostrando que la solidaridad no es una palabra vacía, por cuanto no puede existir progreso moral individual, sin progreso colectivo, ni éste sin aquél y que, por consiguiente, cuanto más bien hacemos a los demás, más bien nos hacemos a nosotros mismos; viene a dar al ser una sanción justa y ecuánime, natural y divina, que está en las leyes de su propia evolución, en el principio de causalidad, que nos enseña que toda causa produce un efecto proporcional, que toda acción tiene en sí misma las consecuencias de su bondad o de su maldad, sanción, a la cual no escapan las intenciones ni las circunstancias; viene, en fin, a reafirmar la creencia en un Ser supremo, principio inteligente, creador eterno, manantial de sabiduría, de amor, de justicia, de bondad y de belleza, de donde emanamos y adonde vivimos, sin percatarnos de nuestra pequeñez y al mismo tiempo de nuestra grandeza.

De este conocimiento que se desprende del Espiritismo científico, de las manifestaciones mismas de los seres que han vivido en la tierra y superviven a la muerte con la visión de sus existencias pasadas, de sus mensajes mismos, se desprende la moral espírita, moral sublime que, como hemos dicho, abraza todo lo que hay de bueno y de justo en las demás filosofías y religiones, verdadera ciencia deductiva que descansa en principios inalterables y universales.

La moral espírita enseña a practicar el bien sin interés de recompensas, premios ni castigos, a no ser bueno por temor ni por cálculo, sino porque el bien es la ley suprema de nuestra vida, aumenta nuestra riqueza espiritual, nos eleva y nos engrandece; a proceder con justicia en todos los actos de nuestra vida. Ante el dilema si hemos de ser buenos, justos y veraces, cuando la bondad, la justicia y la verdad nos perjudican, o si hemos de ser todo lo contrario cuando la maldad, la injusticia y la mentira nos benefician, la moral espírita se inclina decididamente por lo primero.

Nos enseña también a practicar la caridad con altruismo, con amor y con delicadeza, demostrándonos que lo que hacemos en bien de los demás es en nuestro bien propio, y que, al obrar así, no hacemos más que cumplir con un deber de solidaridad; a proteger al débil y amparar al desgraciado, cualquiera que sea su debilidad y su desgracia; a levantar al caído, a instruir al ignorante, a ver en cada delincuente un hermano, que hay que redimir con amor, y en cada delito, un enemigo que hay que combatir sin piedad; a no juzgar ni castigar, ni a dar derecho ni atribuciones a nadie para que juzgue ni castigue, considerando que todos somos pecadores y delincuentes en más o menos grado, que los pecados y delitos son propios de nuestra imperfección y de muestro atraso y que, para atenuarlos, hay que instruir, educar y suprimir en lo posible las causas que los producen; a obrar bien con entereza y con rectitud, sin temor a la crítica mundana; a gozar de todos los placeres de la vida, con honestidad y moderación, prefiriendo siempre los placeres  espirituales y, en fin, a trabajar y vivir del producto de nuestro propio trabajo, considerando éste no como un fin sino como un medio para el ejercicio y desarrollo de todas nuestras facultades espirituales y para domar nuestro espíritu de sus rudezas y sus bajas pasiones.

La moral espírita es evolucionista, en el sentido de que se irá imponiendo paulatinamente  a medida de la comprensión y del progreso moral de los individuos y los pueblos, pero en su esencia y en sus principios es absoluta, no admite términos medios, y en sus mandatos es radical e imperativa; no dice al hombre: haz el bien con arreglo a tal o cual circunstancia; sé justo con relación a tal o cual época o lugar; di la verdad, pero que ella no lastime a tales o cuales mentiras, a tales o cuales injusticias, a tales o cuales convencionalismos o intereses. Por el contrario, afirma categóricamente: sé bueno, sé justo, sé veraz, aunque el mundo y sus prejuicios se resientan por tu bondad, por tu justicia, por tu verdad.

La moral espírita es, pues, una moral de principios; no es una moral de circunstancias que, como la establecida por la ley civil y por las costumbres sociales, se adapta al medio y a la estructura económica y política de la sociedad; no es una moral que beneficia los intereses de unos en detrimento de los intereses de los demás; por el contrario, tiende a mancomunar los intereses particulares en un solo interés general, haciendo que todos los hombres sean solidarios en la producción y en el goce de la riqueza social, de acuerdo con sus fuerzas, sus aptitudes y con sus necesidades; no tiene clases, no admite prerrogativas ni categorías sociales su sanción, a todos los alcanza por igual según sean sus acciones, el grado de comprensión, el mérito o demérito de cada uno; y ante el Juez Supremo, que falla en la conciencia y en las leyes de la misma evolución, no caben títulos ni riquezas, ni castas, ni absurdos privilegios sociales.

Enseña la humildad (en el límite de la suavidad y de la modestia), sin humillación ni rebajamiento, aconseja la tolerancia, pero sin descender al consentimiento del mal, ni convivir con él. El juicio crítico que tiende a su mayor grado de perfeccionamiento del individuo y de la sociedad, es una facultad que debe emplearse contra el crimen y la injusticia; consentir éstos, convivir con ellos, no es una virtud, sino más bien una cobardía, que puede ocasionar mayores males que los que tolera.

La nueva moral que desprende del Espiritismo científico viene, pues, a transformar por completo la sociedad, y a su influencia se deberá la desaparición de muchos crímenes, de muchas injusticias, de muchas mentiras e inmoralidades que se tienen hoy por muy morales y muy sagradas; y, en cambio, se afianzarán muchas verdades, muchas virtudes, muchas aspiraciones justas que la moral hipócrita de nuestra sociedad desecha como cosas moralmente malas.

Esta doctrina redentora, lejos de ser rígida disciplina, impuesta arbitrariamente a la conciencia, es un código de amor, de paz, de esperanzas, de consuelos, de promesas y de infinitas satisfacciones espirituales. El que esto escribe, ha sentido en su alma el bálsamo consolador de esta doctrina en sus momentos de desvaríos, cuando las recrudescencias de la vida laceraban sin piedad su corazón. Al borde de más de un abismo ha encontrado en esta moral sublime el apoyo para no caer; y reconfortado su espíritu por la visión de un superior destino, volvió los ojos a la luz con la alegría de vivir, huyendo de las negruras abismales donde la amargura, el despecho o la pasión lo hacían zozobrar. Y este milagro, que se habrá producido en la conciencia de muchos espiritistas sólo puede hacerlo la convicción profunda que nos da el Espiritismo.

Extraído del libro Origen de las Ideas Morales – Manuel S. Porteiro
Livro originalmente publicado en 1998 pelo Movimiento de Cultura Espírita – CIMA, en Caracas, Venezuela.