quarta-feira, 14 de março de 2012

A Esperteza Abominável

Por Nazareno Tourinho

Terminamos o escrito anterior comentando uma peremptória sentença da obra de Roustaing que entra em choque frontal com  a obra de Kardec, no tocante a este ponto básico da nossa doutrina: a necessidade da encarnação, e a consequente lei da reencarnação, para o Espírito (princípio inteligente) evoluir até alcançar pelo próprio mérito, exercitando o livre arbítrio, todo conhecimento e toda virtude, o que significa o seu aperfeiçoamento máximo.

A sentença rustenista por nós comentada ao fim do texto precedente, contida na página 317 do Volume 1 de Os Quatro Evangelhos (6ª edição da FEB) é esta:

“Não; a encarnação humana não é uma necessidade, é um castigo, já o dissemos”.


Além da flagrante contradição teórica entre Roustaing e Kardec que acabamos de comprovar, demonstrando por onde o partidário da tese do corpo fluídico de Jesus tentou infiltrar a teologia católica na filosofia espírita (para a teologia católica DEUS castiga, daí o seu Inferno, penas eternas etc.), há ainda um fato gravíssimo a ser denunciado: na delicada questão em foco Roustaing assumiu a postura de contestador de Kardec, e o fez da maneira mais maquiavélica possível.

Como?

Copiando logo a seguir (PP. 317/318), entre aspas, a opinião do Codificador do Espiritismo sobre o assunto, sem identificá-lo, isto é, sem informar quem emitira tal opinião, a fim de ser a mesma refutada pelos seus “guias”, como foi em termos enfáticos. Adiante, à página 320, repetiu o golpe baixo, aético.

Esta atitude de Roustaing, fornecendo traiçoeiramente munição para os seus “guias” atirarem contra o pensamento kardequiano (e ainda vêm agora os dirigentes da FEB nos dizer que a mistificação rustenista complementa a codificação de Kardec como obra auxiliar...), é tão surpreendente, pelo caráter mesquinho, que talvez o leitor duvide da veracidade desse nosso registro. Felizmente estamos em condições de eliminar a sua dúvida, como verá um pouco à frente.

Teria Roustaing a coragem, ou melhor, a covardia, de se valer de palavras de Kardec, citando-as entre aspas sem mencionar o autor, para conduzir os inventores da chamada “Revelação da Revelação” ao combate de um postulado fundamental da Doutrina Espírita?

Pois nós declaramos que ele fez isto!

Declaramos porque lendo tais palavras, postas entre aspas nas páginas 317/318 e 320 do Volume 1 de Os Quatro Evangelhos, pensamos:

- Pelo estilo estas expressões saíram da caneta do codificador do Espiritismo. Quando e onde foram escritas? De que lugar o inimigo as pinçou para utilizá-las tão cavilosamente?

Decidimos averiguar. Fizemos uma releitura de O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e O Evangelho Segundo o Espiritismo, volumes que haviam sido publicados bem antes de Roustaing dar lume a sua obra (O Céu e o Inferno saiu pouco antes, em 1865). Encontramos até em O Evangelho Segundo o Espiritismo (Capítulo IV, item 25), a afirmativa de que a encarnação é uma necessidade para todos os Espíritos e não um castigo, mas não defrontamos as frases postas entre aspas pelo antigo bastonário da Corte Imperial de Bordeaux. Resolvemos então, já quase sem esperança de lograr êxito na pesquisa, vasculhar a Coleção da Revista Espírita editada por Allan Kardec no período de 1858 a 1666, ano do lançamento de Os Quatro Evangelhos de J.B. Roustaing, e eis que, ante o número de junho de 1863, no artigo de abertura, do codificador, intitulado DO PRINCÍPIO DA NÃO-RETROGRADAÇÃO DO ESPÍRITO, localizamos exatamente as expressões aspeadas por Roustaing nas páginas referidades de sua ovra – elas constituem os parágrafos 5º e 6º do aludido texto kardequiano. Quem não acreditar nisso vá às fontes conferir.

Aí está, portanto, mais uma prova de que, em matéria de Espiritismo, ou de Doutrina Espírita, a obra de Roustaing representa apenas um cisma, aliás de triste memória pela forma moralmente condenável como foi articulado.

Fonte:
TOURINHO, Nazareno.  As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

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