segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Rustenismo não é Espiritismo

Por Sérgio Aleixo

O Estatuto da Federação “Espírita” Brasileira reza que, “o estudo e a difusão do Espiritismo compreenderão, também, a obra de J.-B. Roustaing e outras subsidiárias e complementares da Doutrina Espírita”  (art. 1.º, § único); assim como registra que “o Conselho [Federativo Nacional da F.E.B.] fará sentir a todas as sociedades espíritas do Brasil que lhes cabe pôr em prática a exposição contida no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de Francisco Cândido Xavier” (art. 63), servindo, desta forma, ao assim chamado “Pacto Áureo” (05/10/1949), o qual prevê que “cabe aos espíritas do Brasil porem em prática a exposição contida no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de maneira a acelerar a marcha evolutiva do Espiritismo”.

Entre outras piadas de além-túmulo, no capítulo I desta obra, “a amargura divina” de Jesus “empolga” toda uma “formosa assembleia de querubins e arcanjos” e ele, que dirige este Globo, não sabe sequer onde é o Brasil. Não bastasse isto, no capítulo XXII, o confuso Roustaing emerge do estatuto da F.E.B. para ser equiparado a L. Denis e a G. Delanne, figurando adiante destes na condição de cooperador de Kardec para “o trabalho da fé”. Deve ter ocorrido erro material, e não foi publicada a palavra “destruição”; sim, trabalho de “destruição” da fé, pois, em Os Quatro Evangelhos, entre outras estranhezas, se diz o seguinte...

Jesus “não nasceu do homem; a matéria perecível não entrou por coisa alguma no conjunto das suas perfeições”; “não esperou, sepultado no seio de uma mulher, a hora do nascimento; tudo foi aparência, imagem, no ‘nascimento’ do mestre, na ‘gravidez’ e no ‘parto’ de Maria”; “o aparecimento de Jesus na terra foi uma aparição espírita tangível”; portanto, não nasceu, não viveu e não morreu, senão aparentemente, “de maneira a produzir ilusão”; começou enganando a própria mãe, que “teve completa ilusão do parto e da maternidade”. (1.º vol., n. 47, p. 166/67 e 243/44.)

Jesus revestia, “aos olhos dos homens, as aparências da infância, da adolescência e da idade viril na humanidade terrestre”; lactente ainda, ele era, apenas “na aparência, pequenino”, e, portanto, não era mentalmente infantil, permanecendo neste absoluto despudor, segundo a tese rustenista, “até contar a criança dois ou três anos”. (1.º vol., n. 47, p. 166/67 e 243/44.)

Jesus, na sua estada em Jerusalém, “ao abrir-se o templo, entrava com a multidão e com a multidão saía, quando o templo se fechava; uma vez fora e longe dos olhares humanos, desaparecia, despojando-se do seu invólucro fluídico tangível e das vestes que o cobriam, as quais, confiadas à guarda dos Espíritos prepostos a esse efeito, eram transportadas para longe das vistas e do alcance dos homens; ao reabrir-se o templo, reaparecia entre os homens, retomando o perispírito tangível e as vestes, que o faziam passar por um homem aos olhos humanos”. (1.º vol., n. 47, p. 251/52.)

A evolução espiritual se dá em duas linhas: a dos Espíritos que se desviaram para o mal no início de suas jornadas e, portanto, ficaram sujeitos às reencarnações humanas, e a dos Espíritos que nunca se afastaram do bem e, por isto, evoluem pelos mundos etéreos, em linha reta, após superarem os reinos inferiores, como se o homem não fosse acontecimento natural, mas desastre espiritual. Estes mesmos Espíritos bons, contudo, são passíveis de cometer um destes três “pecados”: o ciúme, a inveja e o ateísmo; quando, então, cometem um deles, são obrigados a encarnar em “substâncias humanas”, descritas — pasmem — como “larvas informes” e chamadas “criptógamos carnudos”, “uma massa quase inerte, de matérias moles e pouco agregadas, que rasteja ou antes desliza, tendo os membros, por assim dizer, em estado latente”. (1.º vol., n. 57 a n. 59, p. 307-313.)

 “A encarnação humana não é uma necessidade, é um castigo; [...] em princípio, é apenas consequente à primeira falta, àquela que deu causa à queda”. (1.º vol., n. 59, p. 317 e 324.) Por isto, Roustaing submete um texto de Kardec, da Revista Espírita de junho de 1863 (Do Princípio da Não-Retrogradação do Espírito), ao exame dos seus “evangelistas” espirituais, que concluem dizendo que os que pensam ser a encarnação uma necessidade geral (Kardec à frente) “ainda não foram esclarecidos, ou não refletiram bastante”. (1.º vol., n. 59, p. 321.)

Espíritos que já “trabalham na constituição de planetas” podem ser “dominados pelo orgulho, que os leva a desconhecer a mão diretora do Senhor, ou a duvidar do seu poder, duvidando de suas próprias forças”. Então “soa a hora da encarnação humana correspondente ao delito” e, “em tal caso, o planeta, que não pode ficar sujeito a perecer por lhe faltar o primitivo obreiro, continua sua marcha progressiva sob os cuidados e a ação de um Espírito superior que vem substituir aquele que faliu”. (1.º vol., n. 59, p. 325-326.)

E os reveladores de Roustaing decretam aqui seu maior delírio conceitual: “[...] vossos médiuns só entrarão no gozo completo de suas faculdades quando estiver entre os homens o Regenerador, Espírito que desempenhará a missão superior de conduzir a humanidade ao estado de inocência, isto é: ao grau de perfeição a que ela tem de chegar. Até lá, obterão somente fatos isolados, estranhos à ordem comum dos fatos. [...] Não nos cabe fixar de antemão a época em que tal se verificará. [...] Debaixo da influência e da direção do Regenerador, caminhará o chefe da Igreja católica, a qual, repetimos, será então católica na legítima acepção deste termo, pois que estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo”. (3.º vol., n. 196, pp. 65-66.)

Os fenômenos mediúnicos, perfeitamente integrados à ordem natural das coisas pelo Espiritismo, são apresentados, então, como “fatos isolados, estranhos à ordem comum”. No que respeita ao chefe da Igreja católica, quanto ao Regenerador, melhor eu não dizer nada. E é esta obra que a F.E.B. considera, em seu Estatuto, complementar e subsidiária de Kardec... Quando uma casa é, pois, adesa ao movimento “espírita organizado”, uma de duas: concorda com tais ensinos e os divulga, ou se torna descumpridora de deveres estatutários. Algo precisa ser feito para restituir ao movimento espírita sua legitimidade. Até os textos de Kardec foram alterados pelo rustenismo federativo.[1]

[1] Cf. ALEIXO. O Primado de Kardec. Cap. 9. Tradutor, traidor. http://oprimadodekardec.blogspot.com/2011/02/capitulo-9-tradutor-traidor.html

Retirado do blog Ensaios da Hora Extrema - http://ensaiosdahoraextrema.blogspot.com/2010_06_03_archive.html

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