segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Rustenismo e a Infalibilidade Bíblica

Por Sérgio Aleixo

Roustaing e seus discípulos ainda não haviam chegado à Era da Razão, porque se mostraram por demais entusiastas de teorias mirabolantes, vertidas na linguagem prolixa de Espíritos enganadores, que só fizeram lançá-los às vagas místicas dos tempos mágicos da antiga Era Mitológica.

Eles julgavam que textos bíblicos, como os versículos da revelação do anjo a Maria e depois a José, por exemplo, “não podem e não devem ser recusados”.[1] E por esta pseudorrazão, para eles, “o que de Maria nasceu se formou por obra do Espírito Santo”; entendiam que a concepção, a gravidez e o parto “não podiam ser e não foram reais”, mas “apenas aparentes”, porque, “se reais tivessem sido, estaríamos em presença de um fato contrário às leis naturais que presidem à geração dos corpos no seio da humanidade terrena”.[2]

Bem se vê a opção do misticismo roustainguista: desumanizar o Cristo, “coisificar” Jesus (“o que” de Maria nasceu). Roustaing e seus discípulos, pois, rejeitaram a ordem natural biológica, criada por Deus e atestada pela Ciência, em favor da infalibilidade das Escrituras, dogma humano. Não surpreende que tenham a concepção delirante de que, até que se verifique a chegada de um certo “Espírito Regenerador”, bem como sua influência sobre o Papa, os médiuns “obterão somente fatos isolados, estranhos à ordem comum dos fatos”.[3]

Ao oposto da racionalidade do Espiritismo, a “escola” de Roustaing acredita que, por estar escrito na Bíblia, um texto possui valor de dogma, abrigando necessariamente um suposto significado espiritual. Seria o caso das palavras bíblicas que dizem não ter Jesus pai, ou mãe, ou mesmo genealogia.[4] Evidentemente, foram escritas numa preocupação com a tese do pecado original. Como subtrair Jesus a uma tal maldição? Negar-lhe a genealogia, a natureza biológica.

Acreditando que se empenhava em autenticar o texto evangélico, Roustaing afirmou que a influência “magneto-espírita” produziu “ilusão completa na mulher virgem e em todos os que testemunharam o fato”, ou seja, que “a concepção, a gravidez, o parto podem ser imitados”.[5] O magnetizador, segundo ele, foi o próprio Jesus, que “se serviu da faculdade mediúnica da Virgem Maria para, fluidicamente, simular nela a gravidez”; e esta ideia absurda foi justificada — pasmem — pela necessidade de o Messias vir ao planeta Terra “respeitando as tradições e os preconceitos da nação judaica”.[6]

Então, diziam Roustaing e seus discípulos que “Jesus Cristo não foi um homem carnal, revestido de um corpo material humano, qual o do homem terreno, sujeito como este à morte; não, ele não morreu efetivamente no Gólgota”.[7]

Ensinavam estas excrescências e depois acusavam Kardec e os espíritas de ser-lhes “indispensável um Jesus sangrento, choroso, gemebundo, andrajoso e ofegante”; invertendo a ordem natural, a “escola” de Roustaing afiançava que “há dois mil anos o populacho e os crentes tudo sacrificam para gozar desse espetáculo fictício e legendário, mas que para um e outros é real”; e decretava que “o Cristo, natureza superior, não podia sofrer segundo o nosso modo de entender material e terra a terra, eis o que, daqui por diante, devemos aceitar como verdade”. [8]

Herdeiros do melhor do Iluminismo, acostumados à análise crítica e ao raciocínio lógico-naturalista de Allan Kardec e de seus elevados Protetores, os espíritas deveriam preferir, segundo os rustenistas, a impostura à verdade; deveriam considerar como realidade histórica a mal-acabada reedição de um simples mito delirante concebido por longínqua seita gnóstica.

Aliás, risível é que se diga no opúsculo rustenista que “a tradição mais bela e generosa é a que nos legaram os grandes missionários da humanidade, sacrificando suas vidas”,[9] pois o rustenismo nega o sacrifício do maior de todos estes missionários ao dizer que Jesus “não morreu efetivamente”; que, neste sentido, tudo não passou de “um espetáculo fictício e legendário”, destinado a entreter “o populacho e os crentes”. Tática semelhante à do ladrão astuto que grita: “Pega ladrão!”.

[1] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. F.E.B., 1920, p. 58.
[2] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. F.E.B., 1920, p. 59.
[3] Os Quatro Evangelhos. Vol. III, n. 196, F.E.B., 5.ª ed., 1971, pp. 65-66.
[4] Hebreus 7:3.
[5] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. F.E.B., 1920, p. 55.
[6] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. F.E.B., 1920, p. 61.
[7] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. F.E.B., 1920, p. 59.
[8] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. F.E.B., 1920, p. 68.
[9] Os Quatro Evangelhos. Prefácio. F.E.B., 1920, p. 76.

Fonte: http://oprimadodekardec.blogspot.com/2011/02/capitulo-7-o-rustenismo-e.html

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