quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Mediunidade Gloriosa

Por Léon Denis

Os médiuns do nosso tempo são muitas vezes tratados com ingratidão, desprezados, perseguidos. Se, entretanto, num golpe de vista abrangermos a vasta perspectiva da História, veremos que a mediunidade, em suas várias denominações, é o que há de mais importante no mundo. Quase todos os privilegiados – profetas, videntes, missionários, mensageiros de amor, de justiça e de verdade – foram médiuns, no sentido de que se comunicavam com o invisível, com o infinito.

Bem se poderia, sob muitos pontos de vista, dizer que o gênio é uma das formas de mediunidade. Os homens de gênio são inspirados, na acepção fatídica e transcendental dessa palavra. São os intermediários e mensageiros do pensamento superior. Sua missão é imperativa. É por eles que Deus conversa com o mundo; que incita e atrai a si a Humanidade. Suas obras são fanais que ele acende pela extensa rota dos séculos a fora.

Devemos, por isso, considerá-los meros instrumentos, e não terão eles direito algum à nossa admiração? Assim não o entendemos. O gênio é antes de tudo uma aquisição do passado, o resultado de pacientes estudos seculares, de lenta e penosa iniciação, que vieram a desenvolver no indivíduo aptidões imensas, uma profunda sensibilidade, que o predispõe às influências elevadas. Deus reserva a luz unicamente àquele que por muito tempo a procurou, pediu e com veemência a desejou.

Schlegel, falando dos gênios, formula esta pergunta “São verdadeiramente homens, esses homens?”

São homens, sim, em tudo que têm de terrestre, por suas fraquezas e paixões. Padecem todas as misérias da carne, as doçuras, as necessidades, os desejos materiais. O que, porém, os faz mais que homens, o que neles constitui o gênio, é essa acumulação dos tesouros do pensamento, essa lenta elaboração da inteligência e do sentimento através de inumeráveis existências, tudo isso fecundado pelo influxo, pela inspiração do Alto, por uma assídua comunhão com os planos superiores do Universo. O gênio, sob as mil formas que reveste, é uma colaboração com o invisível, uma assunção da alma humana à Divindade.

Os homens de gênio, os santos, os profetas, os grandes poetas, sábios, artistas, inventores, todos quantos têm dilatado o domínio da alma, são enviados do Céu, executores dos desígnios de Deus em nosso mundo. Toda a filosofia da História aí se encerra. Haverá espetáculo mais belo que essa ininterrupta cadeia mediúnica que liga os séculos entre si, como as páginas de um grande livro da vida, e integra todos os acontecimentos, mesmo os mais aparentemente contraditórios, no plano harmônico de solene e majestosa unidade? A existência de um homem de gênio é como um capítulo vivo dessa grandiosa Bíblia.

Surgem ao começo os grandes iniciados do mundo antigo, os próceres do pensamento, aqueles que viram o Espírito fulgurar nos cimos ou se revelar nos santuários da iniciação sagrada: Orfeu, Hermes, Crisna, Pitágoras, Zoroastro, Platão, Moisés; os grandes profetas hebreus: Isaías, Ezequiel, Daniel.

Virão mais tarde João Batista, o Cristo e toda a plêiade apostólica, o vidente de Patmos, até à explosão mediúnica de Pentecostes, que vai iluminar o mundo, segundo a palavra de Joel; e ainda Hipatia, a alexandrina, e Veleda, a druidesa.

É no augusto silêncio das florestas e das montanhas, pelo desprendimento das coisas sensíveis, na prece e na meditação, que o profeta, o vidente e o inspirado se preparam para sua tarefa. O invisível só se revela ao homem solitário e recolhido. Platão recebe suas inspirações no cimo do Himeto; Maomet no monte Hira; Moisés no Sinai. Jesus entra em comunhão com o Pai, orando e em lágrimas, no monte das Oliveiras.

O profetismo em Israel, durante vinte consecutivos séculos, é um dos fenômenos transcendentais mais notáveis da História. A crítica contemporânea nada compreendeu ou fingiu nada compreender em tal sentido; acreditou simplificar tudo, recorrendo à negação. A exegese católica desnaturou o fato, imaginando explicar tudo com uma só palavra: o milagre. E, todavia, outra expressão mais justa a encontrou, quando denominou os profetas de “harpas vivas do Espírito Santo”. Assim, nesse ponto, como em tantos outros, a Ciência e a Religião, isoladas, não podem ministrar mais que incompletas noções; só a doutrina espírita, que serve de traço de união entre uma e outra, as pode reconciliar. O Espiritismo penetrou o mistério aparente das coisas; projeta as claridades do Além sobre a teologia, que completa, e sobre o experimentalismo, que esclarece. A verdade é que os profetas israelitas são médiuns inspirados; esta é a única denominação que lhes convém, como veremos adiante, com exemplos colhidos na Bíblia. Eles nos demonstrarão que a História de Israel é o mais belo poema mediúnico, a epopéia espiritualista por excelência. É o que um dia indubitavelmente dirá a exegese científica. E graças a ela se dissiparão as obscuridades dos Livros sagrados. Tudo se explicará, tudo, ao mesmo tempo, se tornará simples e grande.

A origem do profetismo em Israel é assinalada por imponente manifestação. Um dia, Moisés escolhe 70 anciães e os coloca ao redor do tabernáculo. Jeová revela sua presença em uma nuvem; imediatamente as poderosas faculdades de Moisés se transmitem aos outros e “eles profetizaram”. O tabernáculo aí representa um acumulador ou condensador fluídico; é um meio de exteriorização, como os espelhos de metal brilhante; fixando-se nele o olhar, provocava-se o transe. A manifestação de Jeová na nuvem é uma espécie de materialização. Esta, como vimos, sempre começa por uma aglomeração nebulosa, vaga a princípio, na qual a aparição se desenha e toma forma pouco a pouco. Jeová é um dos Eloim, Espíritos protetores do povo judeu e de Moisés em particular. Sob a influência que no momento exerce, os poderes espirituais de Moisés se transmitiram aos 70 anciães, como os poderes do Cristo se transmitiram mais tarde, parcialmente, aos apóstolos, no Cenáculo, e como hoje em dia vemos, em certos casos, a mediunidade transmitir-se de uma pessoa a outra por meio de contacto e de passes.

Assim começa o profetismo, ou mediunidade sagrada, em Israel. Moisés, iniciado nos mistérios de Ísis, graças à sua longa permanência no Egito, e sobretudo em conseqüência de suas relações familiais com seu sogro Jetro, grã-sacerdote de Heliópolis, foi a seu turno o grande iniciador psíquico de seu povo, antes de se constituir o seu imortal legislador.

Desde então a mediunidade profética se tornou permanente na raça judaica, posto que intermitente em suas manifestações. Está visivelmente subordinada a certos estados psicológicos, que não são sempre constantes nem nos indivíduos nem nos povos. Ao tempo dos Juízes, o profetismo era “coisa rara”. Com Samuel reaparece, fulgura com um novo esplendor. Nessa época o estado de alma do povo hebreu se prestava melhor a tal fenômeno. Na vida das nações há períodos de perturbação intelectual e depressão moral que obrigam o Espírito a momentaneamente se afastar. A França também tem conhecido suas horas de obscuridade e de incerteza.

Tendo compreendido que a mediunidade transcendente está subordinada às disposições morais dos indivíduos e das sociedades, Samuel instituiu escolas de profetas, isto é, agremiações em que os seus membros se iniciavam nos mistérios da comunicação fluídica.

Essas escolas eram estabelecidas em certas cidades, de preferência, porém, nos vales solitários ou nos recôncavos das montanhas. O estudo, a contemplação do infinito, no silêncio e beleza das noites, ao cintilar das estrelas, ou ainda à claridade do dia, sob o límpido céu do Oriente, prepara o discípulo-profeta para receber o influxo do Alto. A soledade o atrai; à medida que se afasta dos homens e se insula, uma comunhão mais íntima se estabelece entre ele e o mundo das forças divinas. Pelos desfiladeiros profundos das montanhas da Judéia, nas desertas cavernas da cadeia selvagem de Moab, ele sonha, presta ouvido atento às mil vozes dessa Natureza austera e grave que o rodeia.

É que a Natureza inteira, penetrada pela substância divina, é um médium, isto é, um intermediário entre o homem e os seres superiores. Tudo se liga no Universo imenso; uma cadeia magnética prende entre si todos os seres, os mundos todos. Só a nossa ciência fragmentária e o excesso dissolvente do espírito crítico foram capazes de destruir essa magnífica síntese e insular o homem moderno do resto do Universo e de seus harmoniosos planos.

A música desempenhava também grande papel na iniciação profética. É sabido que essa arte imprime o ritmo na emissão fluídica e facilita a ação das entidades invisíveis. A preparação era laboriosa, difícil o noviciado. Durante os dois primeiros anos, o aspirante profeta era simplesmente médium passivo; depois, aprendia a tornar-se ativo e, pela exteriorização, a ler no invisível os quadros, a norma dos acontecimentos futuros. Esse exercício era longo e sujeito muitas vezes a enganos.

Influências sucessivas e contrárias se apossavam não raro dos profetas. Tal é o exemplo de Balaão, que parte para amaldiçoar as tribos e é obrigado a profetizar a sua glória. Nunca, como nesse episódio bíblico, foi mais patente a dualidade dos Espíritos inspiradores. Será difícil, às vezes, distinguir na mediunidade, qualquer que seja a sua natureza, a parte do médium e a do Espírito. Daí contradições aparentes, uma espécie de luta psicológica íntima entre o médium e o que o inspira; é o combate simbólico de Jacob e o anjo; mas o Espírito sempre termina por vencer e sua luz impregna vitoriosamente a mentalidade e a vontade do sensitivo. Convém, todavia, não esquecer que o Espírito, quando é de natureza elevada, jamais violenta o sensitivo de que se apodera, respeita a sua personalidade, a sua liberdade, procede sempre com delicadeza e só emprega a persuasão. É por esse motivo que cada profeta, quer seja grande como Isaías ou humilde como o pastor Amós, conserva, no desempenho de sua missão, a linguagem habitual e o cunho de sua personalidade. Assim, em nossos dias, dois médiuns, ao interpretarem a mesma revelação, não se exprimirão nos mesmos termos nem verão com igual clareza.
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A cada página da Bíblia encontramos textos que afirmam a mediunidade sob todas as suas formas e em todos os seus graus. Sob os nomes de anjos, deuses, etc., os Espíritos protetores dos homens ou das nações tomam parte em todos os fatos, intervêm em todos os acontecimentos.

Moisés é vidente e auditivo. Ele vê Jeová, o Espírito protetor de Israel, na sarça do Horeb e no Sinai. Quando se inclina diante do propiciatório da arca da aliança, escuta vozes (“Núm.”, VII, 89). É médium escrevente quando, sob o ditado de Eloim, escreve as tábuas da lei; médium ativo, magnetizador poderoso, quando fulmina com uma descarga fluídica os hebreus revoltados no deserto; médium inspirado, quando entoa seu maravilhoso cântico após a derrota do Faraó. Moisés apresenta ainda o gênero especial de mediunidade – a transfiguração luminosa – observada em certos fenômenos contemporâneos. Quando ele desce do Sinai, traz na fronte uma auréola de luz.

Samuel, cujo nascimento, como o dos predestinados, foi precedido de oráculos e de sinais, tornou-se profeta desde a infância. Dormindo no templo, é muitas vezes despertado por vozes que o chamam, lhe falam no silêncio da noite e lhe anunciam as coisas futuras (I, “Reis”, III, 1 a 18).

Esdras (liv. IV, cap. XIV) reconstitui integralmente a Bíblia que se tinha perdido, e isso em condições em que ainda se patenteiam diferentes gêneros de mediunidade. A voz lhe diz:

“Prepara uma grande porção de tabuinha e ajunta-se com cinco escribas expeditos e hábeis. E eu acenderei em teu coração a lâmpada da inteligência, que não se apagará até que tenhas acabado de escrever o que houveres começado. – Minha boca se abriu e não tornou a fechar-se. Ditei sem cessar, noite e dia. E o Altíssimo deu inteligência aos cinco homens que estavam comigo, e eles escreveram as revelações da noite, coisa que não compreendiam. E assim, durante quarenta dias, foram escritos 204 livros.”

Job teve uma visão que é o tipo perfeito da materialização espírita. Todo o livro de Job está repleto de iluminações e de inspirações mediúnicas. Sua própria vida, atormentada de maus Espíritos, é um assunto de estudos muitíssimo sugestivos.

A Bíblia menciona casos freqüentes de obsessão, entre outros, em Saul, que é muitas vezes subjugado por um Espírito colérico: “Em sua alma abandonada, um Espírito maligno se introduz”. É um fenômeno de incorporação perfeitamente caracterizado.

Saul foi ao começo um médium “do Senhor”; mas, em conseqüência de faltas graves e de uma vida desordenada, perdeu sua faculdade ou, antes, se tornou instrumento de Espíritos inferiores. Essa perda, ou enfraquecimento dos poderes mediúnicos é freqüente nos que se deixam dominar pelas paixões. A mediunidade se deprime e desaparece sem causa aparente; mas, ordinariamente, porque se modificaram as disposições íntimas do médium.

A missão dos profetas, como a dos médiuns contemporâneos, era acidentada de ciladas. São dignos de ler-se, no capítulo XI da Epístola aos Hebreus, as provas, as humilhações, os sofrimentos por que passavam esses médiuns inspirados. Uma das mais penosas tarefas da vida do profeta era lutar contra os impostores. Sempre houve, e haverá sempre, falsos profetas, isto é, médiuns impulsionados por Espíritos malignos. Seu objetivo, ao que parece, é contrariar a ação dos verdadeiros profetas, semear a discórdia em seus centros habituais. Muitos grupos espíritas se têm desorganizado sob a influência dos Espíritos inferiores. É por isso que a grande habilidade do espiritualista consiste em acautelar os centros contra a preponderância dessas nefastas influências, que se comprazem obstinadamente em perturbar a ação dos missionários de paz e de verdade.

Em resumo, a obra dos profetas hebreus foi considerável. Suas prédicas monoteístas e moralizadoras prepararam o advento do Cristianismo e a evolução religiosa da Humanidade. Homens que praticavam a meditação, o recolhimento e a prece, os grandes médiuns israelitas sabiam e ensinavam que o comércio com o invisível é um princípio regenerador. Eles tinham por missão espiritualizar a religião de Moisés, que tendia a materializar-se, do mesmo modo que o Espiritismo contemporâneo tem também a missão de espiritualizar a sociedade atual, que cada vez mais se dissolve, e reconduzir as Igrejas às límpidas tradições do Cristianismo primitivo.

Os profetas hebreus foram os conselheiros dos reis de Israel, os verberadores dos abusos de poder, os consoladores do povo aflito e oprimido. Como todos os homens de gênio, haviam percorrido numerosas vidas, existências de trabalho, de investigação penosa, que neles tinham desenvolvido a intuição profunda. Sua penetração das coisas e sua maravilhosa perspicácia eram simplesmente os frutos de encarnações anteriores. Tendo vivido no passado de Israel, possuíam uma perfeita inteligência da alma de sua nacionalidade. Assim, João Batista, que era a reencarnação de Elias, preparou eficazmente seus irmãos para a revelação de Jesus.

O tema habitual do ensino profético era antes de tudo a adoração “em espírito e verdade”. Os profetas combatiam energicamente o formalismo farisaico da lei e proclamavam abertamente que a circuncisão do sentimento vale mais que a da carne. Assim também em nossos dias os Espíritos condenam as práticas materiais e o acanhado farisaísmo dos falsos devotos, de todos quantos, a pretexto de religião, substituem os preceitos do Evangelho por supersticiosas práticas.

A virtude, que os videntes de Israel mais recomendavam, era a justiça. A palavra justo significava então o conjunto das virtudes: “Dar a Deus o que é de Deus e aos homens o que lhes pertence.” Por toda parte se constituíam eles os advogados dos pobres, desses deserdados que então eram chamados os Ebionim. Depois do pecado de idolatria, o desprezo dos pobres e opressão dos fracos era o mais vivamente profligado.

Isaías, sobretudo, é o eloqüente defensor dos pobres. O Messias por ele anunciado é aquele que julgará os pobres com justiça (Isaías, XI, 4). É precisamente por esse grande amor aos humildes que certos racionalistas modernos qualificaram os profetas de demagogos, de apaixonados inimigos de toda dinastia.

Na realidade, três grandes revelações mediúnicas dominam a História. Aos profetas de Israel sucedeu o médium divino, Jesus. O Espiritismo é a última revelação, a difusão espiritual anunciada por Joel (II, 28, 29), “quando o Espírito se derramará como uma aurora sobre o mundo, e os velhos serão instruídos por sonhos e os mancebos terão visões”.

O próprio Reuss concorda que, segundo esse oráculo, “a efusão do Espírito será tão ampla que a nação inteira se tornará um povo de profetas”. Assim, a ação física do Além transformará o mundo futuro numa humanidade de videntes e auditivos. A mediunidade será o último estado da raça humana encaminhando-se ao termo de seu destino.

Fonte: No Invisível, Léon Denis.

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