quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Em Torno do Estudo da Doutrina Espírita

Por Waldehir Bezerra de Almeida

Conta-nos o evangelista Lucas, no “Atos dos Apóstolos”, que um anjo do Senhor solicitou a Filipe que fosse a caminho de Jerusalém... E ele foi. Antes de lá chegar, encontrou em uma carruagem o mordomo-mor da rainha dos etíopes, que lia o profeta Isaias, e o apóstolo perguntou: “- Entendes tu o que lês?” E o etíope lhe respondeu: “- Como poderei entender, se alguém não me ensinar?”... E a narrativa continua informando que Filipe acompanhou o mordomo, servindo-lhe de instrutor, interpretando, provavelmente, os ensinamentos do profeta à luz dos ensinamentos do Cristo. E antes que terminasse a viagem, o aprendiz pediu para ser batizado, confirmando-se a sua conversão ao cristianismo (Atos, 8: 26-40.)A passagem registrada pelo terceiro evangelista leva-nos a pensar a respeito da importância do estudo em grupo, onde o mais experiente e detentor de mais conhecimentos auxilia o neófito na leitura e compreensão dos ensinamentos de Jesus, á luz do Espiritismo.

Embora a Codificação Kardeciana não apresente a complexidade dos textos bíblicos, não só pela forma didática como foi organizada pelo Mestre de Lion, mas, também, por ter sido escrita em língua viva e moderna, o seu estudo isolado pode apresentar, assim mesmo, dificuldades originadas pelas limitações culturais e pelo atavismo religioso que todos possuímos, por sermos espíritos eternos, com experiências variadas nesse campo. Em razão disso, o estudioso “eremita” somente vê um lado da questão. E quando vislumbra dois, adota aquele que mais se adequa à sua filosofia de vida e o que menos agride as suas convicções. Dessa prática de estudo isolado surgem o que poderíamos chamar de “quistos doutrinários”, ou seja, “espiritismos” dentro do Espiritismo. A essa altura, convém invocar uma lição que a História registrou.

Martinho Lutero, na primeira metade do século XVI, traduziu a Bíblia para a língua Alemã, para que o seu povo pudesse lê-la, pois até então só existia no Latim. A partir daí, todos os interessados passaram a lê-la. Mas, ao longo do tempo, verificou-se que a leitura feita isoladamente gerou o que Munford chamou de “fissiparidade do protestantismo”, ou seja, a divisão sucessiva do organismo gerador em vários outros. Analisando o fenômeno ele diz: “Cada homem podia ler a Bíblia sozinho, uma vez que a invenção da imprensa viera permitir a multiplicação do texto; cada um podia interpretar a Bíblia a sua maneira (...). Interpretavam a Bíblia já no sentido figurado, já no sentido literal: e cada qual encontrava nela o que queria”.[1] Em virtude de tal procedimento, surgiram várias correntes protestantes. Para impedir a proliferação de seitas, os luteranos chegaram à conclusão que a Bíblia teria que ser interpretada pela comunidade religiosa e não mais somente pelo “espírito santo”, através de quem a lê, como queria Lutero, nas origens do movimento reformista.[2]

A importância do estudo no seio do Espiritismo está mais do que comprovada. Não foi sem razão que o Espírito de Verdade nos deixou este ensinamento lapidar: “Espíritas! Amai-vos, este é o primeiro mandamento; INSTRUI-VOS, este é o segundo”. Sabia ele que fora a falta de conhecimento e estudo dos textos evangélicos, que levou o homem a se distanciar do verdadeiro espírito dos ensinamentos do Mestre Jesus. Estava implícito, também, no bojo desses mandamentos a preocupação com a expansão da Doutrina nascente.

André Luiz, em “Opinião Espírita”, lição 29, coloca entre os vinte modos de perturbarmos a marcha do Espiritismo o “negar-se ao estudo”... A casa espírita que não se dedica ao estudo sério e sistematizado da Doutrina, não somente dificulta a sua expansão como não exerce a sua real função de esclarecer as consciências, para que se libertem e iniciem a sua caminhada evolutiva.

Para se compreender melhor a preocupação dos Espíritos com o estudo e sua relação com a evolução espiritual, Kardec fez a seguinte pergunta ao Espírito de Verdade:

“- Como o progresso intelectual pode conduzir ao progresso moral?”

Resposta: “- Fazendo compreender o bem e o mal: o homem, então, pode escolher. O desenvolvimento do livre arbítrio segue o desenvolvimento da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos”.

Poder escolher é o grande começo para todos nós. O fim do homem é realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza pelo uso correto do livre arbítrio O Espiritismo, mais do que qualquer outra filosofia ou religião, possui os postulados para orientar quem quer que seja nessa empreitada. Cabe aos seus adeptos mais esclarecidos a tarefa de passar com eficiência e responsabilidade seus conhecimentos. Para isso é necessário democratizar o ensino, implantando o Estudo Sistematizado da Doutrina, fazendo uso de técnicas didáticas modernas e participativas, excluindo o “mestre”, detentor do conhecimento e da razão, valorizando a capacidade criadora de todos os frequentadores do estudo. Os que sabem mais orientam os que sabem menos; coordenam a atividade e orientam no sentido da consulta às Obras Básicas, cuidando para não transformar a reunião de estudo em palestra.

Encerremos os nossos comentários dando a palavra ao Codificador, na Introdução de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”:

“Toda gente admira a moral evangélica; todos lhe proclamam a sublimidade e a necessidade; muitos, porém, assim se pronunciam por fé, confiados no que ouviram dizer, ou firmados em certas máximas que se tornaram proverbiais. Poucos, no entanto, a conhecem a fundo e menos ainda são os que a compreendem e lhe sabem deduzir as conseqüências.”

Refletindo, demoradamente, sobre essas palavras do Codificador, concluiremos que sem estudar o Espiritismo não entenderemos o Cristianismo tal como Jesus nos deixou.

(Publicado na Revista Internacional de Espiritismo em dezembro de 1996) Referências:

[1] MUNFORD, Lewis. “A Condição de Homem”. Editora Globo, 1956, pag. 221.

[2] WILGES, Irineu. “Cultura Religiosa”, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1985, 6ª edição, pag. 84/85

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